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Hoje dou um salto temporal para esta história. Deixo a minha infância por momentos para contar uma das memórias mais bonitas da minha vida.
Era dia 23 de dezembro do ano 2000. Tinha eu apenas 21 anos. Uma menina que se roubou ao ócio doce da juventude demasiado cedo. Trabalhava na altura no comércio, como empregada de uma loja de pronto a vestir. Com a minha tímida barriga de grávida de supostamente oito meses, levei o dia na azáfama das vendas e a embrulhar prendas de Natal. Uma ou outra "dor de burro" (achava eu!) encolhia me para minimizar o incómodo e lá continuava. Saí às 17h30 e aguardei a minha boleia para casa que só estaria disponível a partir das 18h00. Rumo a casa dos meus pais onde estava a ficar naquela semana. Não quis jantar, pois as "pontadas" estavam mais incómodas ainda. A minha mãe franziu o sobrolho, mandou o meu irmão ir buscar a minha casa o saco da bebê, ao que eu ripostei logo: mãe, está previsto só para janeiro!
Cheguei ao centro de saúde, levaram me logo para um quarto e chamaram a Dra. Emiliana e a parteira Telma Serpa que já se encontrava reformada. A bebê vai nascer. O vento cada vez mais forte e intenso. Talvez uma evacuação fosse difícil. Mas eu tinha só 21 anos, saudável, gravidez normal... A Dra. Emiliana perguntou muito descansadamente: Telma, tu tratas disto? Ao que foi respondido um abanar afirmativo de cabeça.
Entretanto chegou a enfermeira Fátima Avelar. Nunca hei de esquecer o seu olhar doce e terno que transmitia tudo aquilo que eu precisava naquele momento.
A parteira havia feito um serão de TV e ameixas passadas que a puseram na casa de banho a cada cinco minutos. De cada vez que saía da casa de banho dizia me: Aí que esse rapaz quando nascer eu borro me aqui toda. Eu respondia: É uma menina!! Ao que ela logo dizia: coitadinha, mais uma para passar pelo que estás passando. Eu ria me. E ela dizia: oh rapariga como ainda te consegues rir nesta hora? E olhava para a enfermeira Fátima a piscar o olho.
Eu ria me e sorria e hoje sei o quão melhor foi aquele parto aqui nas Flores. Livre das "amarras" de um aparelho de batimentos cardíacos que noutro parto tive. Aqui estive sempre sentada, de pé, agachada, conforme a minha natureza e o meu estado impunha.
A meio dessa aflição surgiu também a fome de grávida que não jantou. Viro me e digo: Estou cheia de fome. - Agora não podes comer querida.
Fomos quatro mulheres heroínas naquela sala de parto improvisada. A enf. Fátima segurou-me a mão, anafou-me a testa e deu me animo. A parteira deu todas as dicas certas, poupando-me a esforços desnecessários... Não sei se foi mais que isso, mas só me lembro de fazer força três vezes e a minha linda menina Helena veio ao mundo já na madrugada do dia 24 de dezembro. A enfermeira Fátima vestiu a enternecida como se de "o menino Jesus" se tratasse. A parteira Telma elogiou-me desajeitadamente, afinal era uma mulher que não se dava a essas lamechices.
Fui a pé para o quarto e mal me deitei veio o Sr. António. Trazia um tabuleiro com uma sandes de marmelada e um café Pensal que me souberam como a vida.
No dia seguinte também tive a visita dos "reis magos" desde a família, amigos, professora Lúcia, o Sr. Padre. Coisa que não acontece quando é um parto fora da nossa ilha. Fui muito bem tratada no nosso centro de saúde.
Sou eternamente reconhecida ao trabalho desses profissionais, especialmente a parteira Telma que infelizmente já não está entre nós. Há histórias felizes na nossa ilha e esta é uma delas.
Nascida a 08 de maio de 1979, natural de Santa Cruz das Flores, fez ensino primário na freguesia de Ponta Delgada, ilha das Flores onde residiu durante a sua infância e juventude. Concluiu o ensino secundário na Escola Básica e Secundária da ilha das Flores. Foi subdiretora do Jornal As Flores entre o período de 2006 e 2007, assumindo depois o cargo de diretora do mesmo jornal entre o período de 2008 a 2012.
Atualmente é assistente técnica no Município de Santa Cruz das Flores, mediadora de seguros, colaboradora no jornal digital 9idazoresnews e correspondente da RTP/Açores.
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