Duas histórias. Duas notas. Uma de 20 escudos, outra de mil escudos.
Ainda morava na casa velhinha e a minha mãe parou na casa dos meus avós para nos levar para casa. Vinha exausta de assentar blocos na casa nova junto com o meu pai. Confiou-me uma nota de vinte escudos e disse: Maria, vai à loja do primo João Medeiros comprar uma caixinha de Pastora. Pastora era a marca da margarina que usávamos para barrar as grossas fatias de pão caseiro que a minha mãe cozia no forno de lenha ou o pão de padeiro da padaria do sr. Belmiro. A tarde estava ventosa e eu apesar de ser uma criança muito pacata, às vezes, só as vezes, era meia aluada! Rodopiei a minha roupinha ao vento, cantarolei e desfilei o meu corpinho frágil de quatro anos com a nota de vinte escudos aberta na palma da minha mão. O vento matreiro arrancou-ma por entre os dedos e quando me apercebi a nota já voava bem mais alto que a minha cabeça. Eu juro que bem corri e a tentei apanhar com todas as minhas forças. Quando esta já tinha passado da loja do sr. Francisco Raulino, a chegar ao cruzamento, desisti… voltei a choramingar, arrependida de não a ter segurado com mais força, arrependida do meu rodopiar, do meu cantarolar. Agora tenho de admitir, a minha mãe foi tão serena, tão benevolente, talvez tendo em conta a minha tenra idade e o meu choro arrependido. Voltou a dar-me outra nota que segurei com todas as minhas forças e que fui trocar pela caixinha de margarina.
Anos mais tarde, com incumbência semelhante, fui a loja da minha tia Fátima. Olho para a berma da estrada e muito enroladinha, vejo uma nota de mil escudos. Parei e hesitei: pego, não pego? Não peguei! Na minha ingenuidade ou tolice, achei que o dono daquela nota ia voltar para a pegar. Fui solidária!
Chego a casa e caio na tolice de contar à minha mãe: mãe, encontrei uma nota de mil escudos!
- Onde está ela?
- Deixei-a para o dono, que deve voltar para apanhar… (aí já corei de vergonha… percebi a minha ingenuidade tarde demais!)
- Ah tola! Deixaste-a para outro que veio atrás!
Desta vez a minha mãe foi implacável!
Uma coisa é certa: não teria enriquecido com aquela nota de mil!