“Crónica da Fajãzinha #10”

Isto é o título

1 de novembro de 2021. O meu dia. Dia dos homens. Sim, hoje é, na realidade, o dia de todos os santos!

Qui habet aures audiendi audiat. O escrito mais sonorizado das crónicas sitas na Fajãzinha principia agora a executar o seu reportório. Quem tem ouvido para ouvir, ouça. Começamos com santos, a padroeira da freguesia dá nome à filarmonia da ilha. Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios, FUOCNSR.

Vaidoso, podem chamar-me, ao clamar a glória por neste passado outubro a igreja Matriz de Santa Cruz ter ficado repleta para assistir a um concerto da banda da Fajãzinha. Pronto, o concerto tinha mais alguns intervenientes, muitos mais até, para dizer a verdade. Nem uma missa com três padres leva tanto fiel à igreja. Fica só uma ideia para os domingos e o nosso cachet é baixinho.

Fundada em 1953 por P. António Joaquim de Freitas e Afonso Rodrigues Duarte (1), a FUOCNSR silenciou-se entre o final da década de 1960 e o início de 1980 devido à emigração. São momentos menos bons que verificamos, de outras formas, no nosso quotidiano. Exemplo número um: dia 4 de outubro vivenciamos um enorme apagão nas redes sociais. Imaginem vocês se nesse dia passasse um barco de cruzeiros na ilha, se o ´Margarethe´ estivesse abrigado na Ribeira da Cruz por causa do mau tempo… nem quero ousar pensar se fosse num dia em que nevasse nas Flores. Como seria sem publicar uma foto na futura Meta?!? Exemplo número dois: pior apagão é o da EDA num frenético pisca-pisca, num acender e apagar constante com cortes de luz. Começo a achar que mandaram os problemas da eletricidade da Terceira para as Flores. Arturito era homem para isso.

O músico mais novo da nossa filarmónica tem 11 anos e o mais velho 71. O património instrumental da banda é avaliado em dezenas de milhares de euros estando neste momento em exposição no novo Museu Francisco Lacerda, na Calheta, São Jorge, exemplares que deram origem à primeira composição da banda, na década de 1950 (2).

No fundo, estou a falar-vos de história, da única filarmónica em atividade da ilha e de uma de duas do nosso Ocidente. Nem a propósito outras tantas notas do nosso pequeno meio. Primeira, sabiam que foram precisos apenas sete monges para eleger uma autarquia local na ilha? Foi assim eleita a Junta de Freguesia do Mosteiro. Segunda referência. Sabem qual é o único concelho de Portugal que não tem uma junta de freguesia? Fica bem próximo. É a terra da Sociedade Filarmónica Lira Corvense. Já adivinharam? O Corvo. Apenas tem Câmara Municipal. Já estou mesmo a ver porque é que o rei se mudou para as Flores. Depois do "fracasso" das autárquicas deve estar a preparar-se para daqui a quatro anos poder ser o Presidente da Junta de uma colónia florentina. 

Ao longo dos 68 anos de existência a FUOCNSR formou muitas pessoas. Desde 1988 assinou 182 sócios (correspondentes na sua quase totalidade a músicos efetivos) – atualmente com mais de 40 músicos no ativo e 7 sócios honorários, sendo a professora Gabriela Silva a nossa honor em vida. A banda envolveu, também, nos últimos anos cerca de meia centena de jovens na sua Escola de Música.

Não podemos, por essa razão, dizer que se quer um músico e não se arranja. Por seu turno, afirmamos no que diz respeito ao professor, formador, o que qualifica e dará o solfejo, que o mercado tem muitas lacunas. Resta-nos a prata da casa ou a boa vontade dos que por aqui vão passando e se querem dedicar a esta causa.

De qualquer das formas as obras de música e outras com mais cimento vão chegar ao fim, esperando-se no processo uma música afinada e harmoniosa. Tudo com a calma que nos rodeia como se praticássemos yoga há 20 anos (nunca experimentei...). É uma questão de música, ´corpo e alma´. Um pouco como o retomar do desconfinamento… na Terceira até já vimos touradas à corda, no Corvo foi o ´Thor´ que rebentou as cordas!

Outra curiosidade da nossa banda é a de que os órgãos sociais são constituídos apenas pelos próprios músicos, os tais sócios efetivos da instituição. Vantagens e desvantagens, óbvio. Quando os vossos ouvidos prestarem atenção às notas e aos sons, lembrem-se que além de músicos amadores (apenas um elemento em mais de quarenta com frequência de Conservatório), somos também diretores, gestores, no fundo trabalhadores pro bono. Ah e até vamos ter eleições em breve. O mo(n)ço que toca bombardino vai recandidatar-se a presidente. Espera que à esquerda (nos bemóis) e à direita (nos sustenidos) não se chumbe o orça (instru)mento.

Quanto ao futuro governo todos sabemos que se António Costa voltar a ser indigitado primeiro-ministro terá uma escolha certa. Aliás, mesmo quando Marcelo Rebelo de Sousa dizimar este governo, Cabrita continuará sempre com a sua pasta de Ministro intocável. Estará para nascer um Betthovan ou Mozzart que retire a sinfonia do poder de desgoverno do caprino.

Nas fileiras da banda, elementos de todas as freguesias da ilha, exceção feita a Ponta Delgada, Cedros e Mosteiro e incluindo pessoas dos lugares da Costa do Lajedo e Fazenda de Santa Cruz. Esta vasta distribuição geográfica é quase equiparada às "árvores de natal" que crescem, afinal, na ilha toda, não sendo exclusividade do Mosteiro ou Ponta da Fajã Grande. O parque recreativo da ilha das Flores aparenta estar em queda. Penso que a legalização era um mercado exponencial para a época baixa, pelo menos a avaliar pela quantidade de intervenientes ao barulho. Para ajudar até desligam, agora, as luzes à noite para não vermos nada do que se passa pela rua. E não venham com desculpas... já há imenso tempo que não vou a Santa Maria, mas sei que eles não desligam a iluminação pública só porque sim.

A filarmónica tem, há mais de 30 anos, o mesmo Maestro em continuidade. Sob a batuta de José Gabriel Eduardo, a FUOCNSR tem percorrido desde 2013, até então, algumas ilhas, nomeadamente Corvo, Terceira e Graciosa, além da recente viagem em 2019 aos EUA. Hoje em dia, com os combustíveis tão caros vai-se lá ver qual o próximo destino. Eu, pessoalmente, já pergunto sempre antes de atestar o carro qual o combustível mais barato. Ainda assim gasto sempre o mesmo porque peço todas as vezes 20€, de gasóleo, claro!

E porque dar-vos música foi um prazer deixo-vos um acorde para tocar com três dedos: (mingo) a hora atrasou. Lembrem-se desses 60 minutos extra para o próximo concerto da filarmónica que terá aproximadamente essa duração e salvem a data (22 de janeiro de 2022). Mi (squita), Roberto. Hoje, tal como no passado sábado, o Grupo de Teatro ´A Jangada´ homenageou o poeta florentino Roberto Mesquita. Sol de outono ou de inverno, mas que este mês se esconde muito cedo, vale a água do mar que está quentinha a adivinhar furacão.

 

29 dias até à despedida das crónicas!

 

Fajãzinha, 1 de novembro de 2021

 

Marco Henriques

 

 

 

 

(1) " (...) Sábado último  4 realizou-se na freguesia da Fajãzinha, a inauguração da filarmónica local (...)" In jornal "As Flores" ANO XXIV de 11 de julho de 1953.

Nota do cronista: apesar da inauguração "oficial" na data citada anteriormente registe-se atuações anteriores ao ano de 1952 de acordo com a informação recolhida e transcrita de seguida:

"FESTA DO PATROCÍNIO

(...)  a procissão foi abrilhantada pela filarmónica União Musical Senhora dos Remédios que fez a sua estreia com grande regoseilo da população daquela freguesia e agrado de todos quantos assistira, ao acto. (...) " In jornal "As Flores" ANO XXIV nº1150 de 9 de novembro de 1952.

"NOSSA S. DOS REMÉDIOS

(...) Acompanhou a procissão até à igreja da Fajãzinha a filarmónica Dra. Armas da Silveira juntandose-lhe no sítio dos Terreiros a filarmónica da Fajãzinha. (...) " In jornal "As Flores" ANO XXIV Nº1181 de 30 de maio de 1953.

 

(2) "Vindo no Carvalho Araújo chegou a esta vila [Santa Cruz] um instrumento fornecido pela Casa Olímpio Medina de Coimbra e destinado à freguesia da Fajãzinha onde se pretende organizar uma filarmónica". In jornal "As Flores" ANO XXIII nº 1135 de 14 de junho de 1952.

 

PS. Para a pesquisa efetuada sobre as origens da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios fica o agradecimento a Renato Moura pela abertura e consulta aos jornais d´ "As Flores" dos anos de 1951, 1952, 1953 e 1954.

 

PS2. Se alguém achava que não sabia escrever Beethoven e Mozart corretamente pergunte ao Cabrita se ele também não sabe a velocidade máxima na autoestrada.

Perfil do Autor

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura.

Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci.

Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

Marco Henriques

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura. Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci. Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

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