“Crónica da Fajãzinha #6”

Isto é o título

216 meses, 6570 dias, 157 680 horas, 9 460 800 minutos. O tempo que um recém-nascido leva a chegar à idade adulta, usufruir de um direito inerente como o voto ou à licença de carta de condução em Portugal. São crianças que pelo meio começam a escrever, se tornam adolescentes e muitas se emancipam inclusivamente. A este tempo some-se mais 365 dias, 8760 horas, 525 600 minutos e chegamos à idade necessária para que uma criança nascida em 2002 pudesse ver o seu Sporting campeão. 1 de junho de 2021. Hoje é o dia de todos nós, crianças!

 

Na Fajãzinha, uma das crianças mais velhas contou-me, há poucas semanas, que aos seus 9 anos de idade “acartava” água (do verbo transportar, na freguesia) das 3 Bicas do Rossio com um carneiro no seu ´carro de bois´ – neste caso de ovelha – para a sua casa. José Valadão é uma criança valente, tão resistente como todos aqueles amigos que eu pensava não serem apreciadores da arte de jogar à bola, mas que afinal eram discretamente sportinguistas.

Na ode ao futebol conto-vos a influência da minha preferência escolhida aos 4 anos de existência. Na companhia de Antero (que todos conhecem e vos aparece normalmente de frente ao volante de um corpulento autocarro), tudo se desenrolou numa ida à loja do Sr. Luís Gregório, nas Lajes. Com o intuito de me comprar um boneco do F. C. Porto (supostamente o meu clube de infância), para colocar na carrinha dos meus pais, glorioso como ele era e é, ludibriou a criança que vos escreve dizendo que já só havia marionetas do Benfica. Confesso que na altura não me senti enganado, aceitando o suborno e sendo nos dias de hoje benfiquista e fervoroso adepto do Santa Clara.

 

Prometo, por hoje, arrumar o futebol num canto, mas é que nem no Dia de Espírito Santo Jesus ganhou! Irra! É que esta festa, simbolicamente representada pela pombinha, por sua vez prima da águia, podia ter ajudado a engradecer o céu de Portugal. Mas nem assim, ganhou sim a equipa de Marcelo, entregue no final o troféu aos minhotos pelas mãos do próprio Presidente.

Neste mês de junho chega a segunda ronda de Espírito Santo às Flores, mas com o nome de São Pedro. Exceção feita, possivelmente, para Ponta Delgada onde trocam a carne pelo Caldo de Peixe. Haja um lugar que honre o patrono dos pescadores e poupe nas vacas. O Corvo devia fazer o mesmo uma vez que o efetivo de gado não vai aumentar. Aparentemente a Política mor desautorizou a Igreja em poder na Cultura caindo por terra (ou no museu) as pretensões da Monarquia.

 

O miúdo que se segue acompanhou-me praticamente toda a meninice que é esta vida.  João Carlos, talvez com mais de meia dúzia de anos em cada membro inferior, lembrou-se de escrever o nome na porta da igreja Matriz. Dois problemas: já era uma criança bem-ensinada e com discernimento. Segundo aborrecimento, foi o meu nome que ele escreveu. Ainda bem que toda a gente conhecia a caligrafia do João. Relativo a nomeações digo-vos que o navio ´Malena´ deixou de abastecer as Flores. É verdade, a partir de agora chega ao Porto Comercial da ilha o mesmo casco e maquinaria, mas com diferentes tripulantes e designação ´Margarethe´. Pelo que consta, para a “Américazinha Pequena” também está encontrado novo rebocador convertido para abastecer sua majestade e população em geral.

Esperamos que as ´novas´ naus de Ocidente não metam água como a poça que se forma sempre que chove na ponte junto à casa do Sr. João de Sousa, ou ´na reta do Francisco Costa´, no mato. Ou na curva da ´reta da Capelinha´…, mas basta de pluviosidade para junho, já sei!

 

Continuando a navegar, maio foi mês de teatro e do regresso d´A Jangada´ que nos brindou com a sua Revista. A Fajãzinha teve direito a um segmento exclusivo e ficou claro que “só não há batatas” na freguesia, inhames também já foram mais, acrescento eu. Os espectadores riram entre cadeiras deveras espaçadas e sem oportunidade para adormecer coisa que, de acordo com o ator Tó Zé, pode acontecer agora a si, caro leitor.

O palco fez-me lembrar uma criança que me é muito especial, Marta Sofia. Muitos de vocês lembrar-se-ão da sua carinha redonda a cantar o “pato marreco…”, aos 5 anos, em Festival da Canção que se realizava noutros tempos. Quem quiser reavivar a memória da atuação da Marta avise que eu mando o link para verem “onde é que está”. As artes, por cá, prosseguem a toque de caixa e este mês, nas Lajes, poderão fazer um retiro para construir tambores, todavia, atenção, há vagas limitadas, quiçá seja muita a procura.

 

A levar pancadaria desta percussão inteira está o coelho em muito maus lençóis. Ao que tudo indica a doença hemorrágica viral voltou a atacar a espécie deste pequeno mamífero residente na ilha das Flores e é vê-los como baratas tontas em sarjetas e baldios.

 

A menina que se segue, de cabelos encaracolados, Verónica Marisa, tinha por hábito ordenar ao seu sobrinho mais novo que cumprisse castigo junto ao canto da cozinha de titia Maria do Céu. Hoje em dia Marco Alexandre manda Rafaela, igualmente de lindos caracóis, para a esquina da porta e leva com um pronto “Não” em forma de sorriso sem dente de leite.

Presentemente, Verónica assume a presidência da nossa Fajãzinha, mas é um dos ´dinossauros´ políticos que terá de se afastar do poder local. Entretanto, até outubro, esperamos ver muitas novidades. Por exemplo, em Santa Cruz temos internet espalhada por toda a vila e até podemos tomar banhos de sol com wireless à borla. Eu preferia protetor solar gratuito ou, sei lá, “nadadoras-salvadoras” nas zonas balneares. Na Fajã, a ´Barraca Q`abana´ vai ficar, futuramente, presa ao chão. Assim suportará melhor o mau tempo de oeste, visto que, a Avenida do Complexo XXI raramente ultrapassa uma tempestade sem perdas de betão ou alcatrão.

 

Por falar em obras, vamos inaugurar na ´Crónica da Fajãzinha´ a rábula do “quer-se um… e não se tem”. Este mês de junho, nas Flores, quer-se um empreiteiro e não se arranja.

Ao invés, as evacuações estão a aumentar a helicópteros vistos. Só em maio foram 9 as operações realizadas pela Força Aérea Portuguesa, sinal evidente que a privação de saúde está a afetar, cada vez mais, crianças de todas as faixas etárias.

 

O garoto que agora apresento, Pedro Miguel, foi de lacinho, calção pelo joelho e sapatos castanhos, que adorava por sinal, igreja fora clamando como se não houvesse amanhã para levar uns anéis em dia de casamento. Era uma criança ligeiramente mais velha, quando 25 anos mais tarde, orgulhosamente celebrou a renovação de votos de Ilda Maria e Francisco da mesma forma, toilette diferente. Hoje em dia precisamos cada vez mais dele porque foi dos catraios que levou a sério o querer ser polícia e usar a arma. Porque mesmo num sítio aparentemente calmo e amistoso como a nossa ilha das Flores estamos sujeitos a um risco na viatura, pior alguns furtos ou roubos. Uns estranhos até, como levar consigo a rede de galinha à beira da estrada ou santinhos do altar de uma capela ´citadina´.

Termino com Eduína Sofia, que pouco mais que criança seria, quando do alto da sua porta de casa me avistou pelas ´Terras´ – atalho entre o Pico Redondo e a Canada Comprida – e ao ver-me devorar uma sandes de queijo - não pasteurizado -  em andamento gritou que “quem come pelo caminho não se casa”.

Na Fajãzinha neste momento são 6 os menores de 18 anos.

Seja em matrimónio ou à Cristiano Ronaldo, pode ser que nos Censos2031 já seja registado Afonso Henriques ou uma sua irmã.

 

A todas as crianças, 30 dias até julho!

 

Fajãzinha, 1 de junho de 2021

 

Marco Henriques

Perfil do Autor

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura.

Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci.

Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

Marco Henriques

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura. Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci. Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

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