“Crónica da Fajãzinha #8”

Isto é o título

1 de setembro de 2021. Dia do Profissional de Educação Física. Volvidos dois meses, qual Schwarzenegger da Fajãzinha, cá estou para vos exercitar a retina.

Durante o mês de agosto pudemos assistir, no Japão, aos ´Jogos Olímpicos 2020´. Foi uma competição semelhante às nossas governações: tal como os ´Jogos´, que eram do ano passado, muito se fez em 2021 ou se diz vir a fazer no futuro. E afinal os japoneses têm muitas semelhanças connosco, como a reticência em receber as comitivas olímpicas e de imprensa face à pandemia, tal como a nossa hesitação inicial em receber o turista e todos aqueles que se deslocam à ilha do exterior.

Quero que ecoe nas vossas cabecinhas pensadoras a música que pudemos ouvir todos os dias durante os ´Jogos Olímpicos´, quando os super-atletas subiam ao pódio. Este mês, os ´Olímpicos´ passeiam pela ´Crónica da Fajãzinha´ e todos nós, a trabalhar, nos que têm empregos, na solidariedade e no voluntarismo, competimos pelo melhor de nós em representação da nossa ilha. Mais do que ambicionar por insígnias futuras, que exijamos dedicação e superação! Algo que a nossa ilha carece! Que o júri seja neutro, possa ser o juiz Carlos Alexandre, porventura. Dificilmente a nossa polícia poderá dar-lhe boleia face aos seus veículos empanados, mas também temos autocarros nas Flores.

 

E comecemos pela ´Chama Olímpica´. A pessoas bem informadas como vocês é fraca novidade quando refiro que as comunicações para queimadas, vulgarmente fogueiras, “são pagas” presentemente à AHBVSCF, Associação de Bombeiros. E bem, uma vez que se trata de uma fonte de rendimento simbólica para uma corporação que necessita. Incrível é o facto de, mesmo com um aumento do custo, se vislumbrarem muito mais fogueiras em ignição, sobretudo em Santa Cruz e na Fajãzinha: talvez por serem os sítios onde passo mais tempo, digo eu, ainda com a particularidade de na vila maior se acender a chama, na maioria das vezes, coincidentemente, à hora da Sata. 

 

No ´Salto em Altura´ registamos uma das marcas mais baixas de sempre. Apesar de manter os seus 914 metros no seu cimo e continuar a ser o ponto mais alto do Grupo Ocidental, o Morro Alto perdeu a sua imponente antena. O desmantelamento foi o mais próximo que as Flores tiveram de um envio de passageiros para o espaço, mas visto ao contrário porque para baixo é que é caminho. Todavia o meu amigo Diogo tem esperança infindável que a estação geodinâmica espacial chegue a terras ocidentais. Gabo-lhe a expectativa. Enquanto isso, podem vir ter comigo ver os aviões levantar voo, acreditem, eles são grandeza!

 

Do ar para o chão, via canal, ´Salto para o Comprimento´ até ao Corvo onde a sua população já conta menos de 400 residentes. Ora se tem 17km2 de área e agora 386 pessoas, isso significa que ainda há mais espaço para cada um jogar à sua modalidade preferida e quantos menos, maior probabilidade de ganhar umas medalhas e beber o champanhe nos ´Metralhas´! Com um aparte, se os registos deste inquérito (Censos2021), que se realiza de 10 em 10 anos, tivessem sido contabilizados a meio de agosto garanto-vos que a população tinha, pelo menos, mais 200 corvinos (daqueles que falam mais perto da América) e muito mais embarcações de recreio.

 

Na modalidade com maior concorrência asseguro-vos que estão inscritos 365 florentinos na ´Maratona´ aos órgãos do poder autárquico. Há ainda que adicionar os repescados para os Plenários da Fajãzinha, Mosteiro, Lajedo, Caveira e Cedros que vão correr uma semana mais tarde que os atletas de alto rendimento.

É a prova que este desporto está vivo na nossa ´Aldeia Olímpica´, com pouco mais de 3 mil habitantes, quando 12% da população e muitos jovens em movimento encaram a política como o pessoal da Terceira vê os toiros. Correção: nalguns casos é preciso desviar-se do gado bovino que tem aumentado o seu efetivo. Depois da pequena vaca da nossa vizinha ilha, agora, por cá, diz que a vaca cheira mal e anonimamente, embora algo tendenciosa, acaba por fazer diversas análises de teor político, algumas com bastante graça.

No único comentário desportivo a este evento do próximo dia 26, cito um conhecido natural de Santa Comba Dão quando dizia que se pode “fazer política com o coração, mas só se pode governar com a cabeça”. Haja tino e menos rãs.

 

O apuramento para estes ´Jogos Olímpicos´ conseguiu-se com os mínimos, como referido anteriormente, visto a ilha das Flores fixar atualmente 3429 pessoas (erradamente os 3300 mencionados na ´Crónica da Fajãzinha #7´ – mea culpa – devido aos enviados especiais terem dado a informação sem contabilizar os festivaleiros que se deslocaram ao Corvo). Constato que está toda a gente deveras apoquentada pela perda de população em geral e na Fajãzinha não se foge à norma. No entanto, aquilo que me inquieta seriamente na ilha é que, no conjunto da população, de acordo com os Censos 2021, há menos 51 mulheres que homens e disso nunca ouvi ninguém reclamar! Ainda dizem que no mundo há sete mulheres para cada homem. Pelo que vi nas notícias, hoje em dia, nem no Afeganistão elas querem ficar, por isso… é só uma ideia, para um amigo.

 

A propósito, a rábula “quer-se uma medalha e não se arranja” vai transmitir aquilo que oiço. Com a febre do AL e do aluguer espontâneo e de curta duração “quer-se alugar uma casa ao mês e para todo o ano e não se arranja”, mas segundo os nossos empresários, falta é gente para trabalhar. Afinal quem é que tinha razão: José Baldes já há muito que o dizia e mesmo que chegassem os afegãos com vontade de por mãos à obra vai faltar sítio para pernoitar. Sabedoria popular é preciso escutar.

 

E porque em Tóquio, que é como quem diz, nas Flores, também se realizam as disciplinas de mar e água salgada, escrevo aquilo que poucos viram, as vejas. Veja bem caro leitor que o ex-líbris do pescador de rocha florentino foi proibido porque algum armador se lembrou de exceder a cota da espécie impedindo mais capturas até ao fim de agosto. Com tanta gente a recolher lapas ao fim-de-semana e feriados, e demais encartados na apanha de 50kg diários, só me admira ainda ter direito a comer umas “lapinhas” de vez em quando. Prevalece a sensação de estarmos a nadar ´mariposa´ e vivermos numa ilusão em que tudo é abundante e infinito. No fundo estamos todos a nadar de costas para o abismo. Salve-se o imperador e o goraz que ao menos quem o vende fortuna faz.

 

Na cerimónia de encerramento faço o minuto de silêncio ao halterofilista da minha família, o meu avô. Já muitas estórias vos contei sobre José Valadão e termino com aquilo que lhe escrevi na despedida. “Vamos dar uma volta à Fajã porque sempre vemos umas ´moreias pintadas´”. Para agrado da minha avó nunca lhe trouxe uma “caliveira nova”.

Porque a ´Olimpíada´ é um marco de esperança assinalo neste espaço o nascimento do segundo florentino em 5 anos cujo parto foi efetuado na própria ilha, no passado dia 20 (não estão referenciadas nesta estatística as parições à moda antiga). Aos pais e ao menino Duarte, muita saúde e ânimo! Apreço redobrado à equipa médica que acompanhou este momento na nossa Unidade de Saúde. Os profissionais de saúde são, indubitavelmente, as medalhas de ouro do nosso jogo. Foi vida que aqui se registou e isso, infelizmente, não acontece na nossa ´Aldeia Olímpica´ todos os dias.

 

3 anos até Paris, 30 dias até outubro!

 

Fajãzinha, 1 de setembro de 2021

 

Marco Henriques

Perfil do Autor

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura.

Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci.

Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

Marco Henriques

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura. Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci. Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

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