António Vicente Peixoto Pimentel

Adicione aqui o texto do seu título

(1827-1881)

Nasceu a 27 de junho de 1827, em Santa Cruz das Flores. Era filho de João Peixoto Pimentel da Silveira e de Maria Clementina Peixoto.

Como escreveu Fernando Silveira no Jornal “Correio da Horta” a 24 de julho de 1957, fora filho segundo de uma Casa Vincular instituída por volta de 1642 pelo Padre Inácio Coelho, irmão de Frei Diogo das Chagas, autor de “Espelho Cristalino” e de Frei Mateus da Conceição, da ordem franciscana, fundador do Convento de São Boaventura e Provençal da Província de São João Evangelista, todos naturais desta Ilha”, que viria a ser um verdadeiro símbolo de trabalho e modelo de notáveis virtudes.

Por ter revelado desde tenra idade esclarecida inteligência e especial nobreza de carácter, mantendo a tradição das antigas casas feudais que ao Ministério da Igreja quase sempre dedicavam um dos seus filhos, Peixoto Pimentel deu entrada no Convento dos Franciscanos em Angra do Heroísmo afim de, ali, ser devidamente preparado e iniciado no sacerdócio.

Anos depois, acabando por perceber que não tinha a vocação exigível ao sacerdócio, desiste desse múnus religioso, e regressa às Flores, revelando apreciável cultura para a época e para o meio. Assim, passou a gozar da simpatia geral, especialmente dos muitos com quem se relacionava no seu trabalho de comerciante de variados ramos de mercadorias, sediado em Santa Cruz, onde tinha o seu estabelecimento, realizando-se assim profissionalmente.

Numa das suas viagens de negócios e lazer pelo arquipélago, concretamente numa das suas passagens pela cidade de Ponta Delgada, onde ficou instalado em casa de seus primos —os Barões de Santa Cruz— conheceu Emília, filha do Juiz de Fora recentemente nomeado para a Comarca da Ilha das Flores.

Educada em Coimbra, donde era natural, Emília, de 15 anos de idade, era possuidora de encantadora beleza e de vasta cultura artística, qualidades que devem ter tocado fundo o coração exigente de Peixoto Pimentel, que logo por ela se apaixonou.

Na sua viagem para as Flores, devido a uma queda que deu, quando com sua família, subia a uma das torres da Sé de Angra para dali comtemplarem a cidade, Emília, de natureza frágil, jamais voltou a gozar a saúde e felicidade que tivera até então. Todavia, considerada apta a continuar a viagem, e sem que o médico que a examinou o tenha diagnosticado, havia partido uma ou mais costelas, sofrendo uma perfuração pulmonar.

Nas Flores, não obstante os tratamentos que lhe foram ministrados pelo então denominado “Doutor Inglês” (James Mackay), a doença de Emília agravava-se de dia para dia. Subitamente acometida por um violento ataque de tosse que lhe provocou forte hemorragia, foi também declarada portadora de tuberculose ou tísica, doença muito frequente e fatal nesse tempo. Sem assistência médica nem hospitalar adequadas, ao fim de nove dias viria a morrer em Santa Cruz.

Essa morte abala fortemente Peixoto Pimentel que adoece de desgosto, ficando incontatável por prolongados dias, tendo havido até, quem tivesse receado pela sua vida. Após visitar a campa da sua amada falecida, no cemitério da vila de Santa Cruz, e desfazendo-se do seu comércio que possuía nas Flores, parte para Lisboa, onde passa a exercer a mesma atividade, aí vivendo o resto da sua vida, frequentando as tertúlias dos mais distintos intelectuais e políticos da capital. Aí dedica-se então à angariação de fundos para as suas grandes obras caritativas, designadamente para o “Hospital e Asilo Industrial da Infância Desvalida das Ilhas das Flores e Corvo”.

Foi tão grande a sua cruzada em prol das “suas queridas ilhas”, que o caricaturista Rafael Bordalo Pinheiro o imortalizou na revista “António Maria” com o cognome de Grande Filantropo da Ilha das Flores.

A 22 de março de 1881 Peixoto Pimentel, dita o seu testamento, falecendo cinco dias depois, com apenas 53 anos de idade.

Nesse testamento, que ficou célebre pela sua singularidade — pelo seu conteúdo e pela forma como sobressai o seu carácter — legou aos habitantes das ilhas das Flores e do Corvo uma parte importantíssima dos seus bens, figurando entre eles o Convento de São Boaventura, edifício esse que havia sido adjudicado em hasta pública do Ministério das Finanças e que então se destinaria a Hospital para servir as populações daquelas ilhas. Seria certamente o Hospital que tempos antes havia faltado à sua querida e amada Emília.

 Mas, para além de avultados bens, legou ainda, como símbolo de grande amizade, o seu coração, que permaneceria no Hospital que naquele convento havia de ser instalado, como testemunho da sua ligação e amizade a esses seus concidadãos.

Esse seu testamento, é pois, todo ele, um documento envolto de misticidade e filantropia, onde realça o seu espírito democrático e o seu apaixonado afeto por todos os habitantes dessas “suas duas ilhas das Flores e do Corvo”.

Como homenagem ao referido ilustre benemérito, a Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores, dedicou-lhe o jardim que se encontra na frente do Centro de Saúde e do Convento (anteriormente Hospital das Flores).

O Lar de Idosos António Vicente Peixoto Pimentel, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Santa Cruz das Flores, instituição que surge por sua mão em 1876, é mais um tributo a tão importante e distinto benemérito florense.

A seguir, e para conhecimento de quem estiver interessado ou sequer como uma das suas vontades, transcreve-se o seu testamento.

 

Testamento de António Vicente Peixoto Pimentel

Falecido em Lisboa, a 27 de Março de 1881

 

Em nome de Deus, Ámen, eu António Vicente Peixoto Pimentel, tendo determinado fazer o meu testamento e disposição de última vontade pela forma seguinte:- declaro ser solteiro, natural da ilha das Flores, filho legítimo de João Peixoto da Silveira, e de D. Maria Clementina Peixoto, esta natural da ilha do Fayal, aquele da mencionada ilha das Flores, já falecidos; e não ter descendentes, nem ascendentes vivos: – N’esta falta de herdeiros necessários, me permitem as Leis do Reino dispor de meus bens, como for de meu livre arbítrio, e assim dispondo como segue, que quero seja pontualmente cumprido: – Qual divida, embora se prove, que me deva a minha irmã D. Maria Barbara Peixoto, da ilha das Flores, não quero que por forma alguma lhe seja exigida durante a sua vida: – Peço aos meus testamenteiros que façam extrair o meu coração, e posto em um frasco com preparado que o conserve, seja dirigido a minhas irmãs D. Maria Júlia Peixoto e D. Maria Barbara Peixoto; e que o meu corpo, sem a mínima pompa, seja dirigido para a ilha das Flores, e depositado á porta da ermida do Cemitério com uma pedra lisa de mármore com o seguinte dístico – “Aqui jaz António Vicente Peixoto Pimentel que nasceu em vinte sete de Junho de mil oitocentos vinte e sete, e morreu em 27 de Março de 1881e que aqui pede esmola para o Hospital e Asilo de Inválidos e para o Asilo Industrial de Infância Desvalida: – Os bens que me pertencem e a meu irmão João Peixoto da Silveira, segundo escritura publica que temos feito, e são usufruídos, por minhas irmãs Maria Barbara e Maria Júlia, como seus alimentos, declaro: que os deixo em usufruto simultâneo e sucessivo para ambas em comum, e por morte de uma serão usufruídos na totalidade pela sobrevivente, e que não haja entre elas a menor questão sobre o direito que lhes assiste; por morte da última usufrutuária deixo esses bens em propriedade ao Asilo Industrial da Infância Desvalida de Santa Cruz da Ilha das Flores: – Deixo às duas filhas e filho de meu primo José da Silva Cabral Velho, o usufruto simultâneo e sucessivo de uma casa que comprei na ilha do Faial; e por morte do ultimo destes usufrutuários mencionados: – Deixo às mesmas duas filhas e filho do dito meu primo, Maria Genoveva Cabral Velho, Maria da Gloria Cabral Velho e José Velho Cabral, a quantia anual de quarentena e oito mil reis, moeda forte que será dada aos que forem existindo até á morte do último: – Deixo a minha prima Maria Rosalina Gomes, tia d’aqueles, a quantia anual de quarenta e oito mil reis, moeda forte, durante a sua vida: – Deixo a D. Etelvina Adelaide Branco, professora da aula infantil da Escola Nacional, residente n’esta Cidade, a quantia de vinte mil reis mensais, moeda forte, durante a sua vida, como prova de gratidão pelo cuidado que de mim tem durante a minha grave doença: – Deixo a Fernando Jacinto de Mendonça, pelo espaço de três anos se assim for preciso para completar o seu curso de condutor de obras, treze mil quinhentos reis mensais, moeda forte: – Instituo herdeiro do remanescente de meus bens direitos e acções, com os encargos que acima imponho, o Asilo Industrial de Infância Desvalida na vila de Santa Cruz da ilha das Flores; e quando no prazo de dez anos se não tenha estabelecido regularmente com a fortuna que deixo, passará tudo para o hospital da mesma ilha com os mesmos encargos de que acima disponho: – Nomeio meus testamenteiros pela ordem que vão indicados António Maria Corvelo, D. Maria Júlia Peixoto, André da Conceição de Freitas Júnior, Alberto Curry Cabral, e José Constantino da Silveira Almeida, e a todos peço por ofício de amizade que façam cumprir pontualmente este meu testamento: – Sou filho segundo de uma casa vincular, herdei alguma cousa de meus pais, aumentei essa fortuna com o meu trabalho incessante, e tratei sempre de ser económico para deixar aos herdeiros— os pobres das minhas ilhas pelos quais conservei constantemente o maior afecto e dedicação: – E se por este afecto que consagrei aos habitantes d’aquelas ilhas, me é lícito rogar-lhes alguma coisa, peço-lhes encarecidamente que ponham ao serviço dos princípios democráticos todo o seu favor e trabalho, como sendo os que elevam a dignidade do homem, e que pela sua generosidade são mais próprios das almas bem formadas: – Entre o povo nasci, para o povo trabalhei e ao povo, aos humildes, e pequenos, peço que, sem se esquecerem do que são, lidem por aumentar o bem-estar dos seus concidadãos: -A democracia generosa e trabalhadora, a que busca a fortuna no emprego das faculdades intelectuais e dos braços, e conserva aberto o coração a todas as nobres aspirações, é que pode contribuir para a felicidade geral. Peço por isso aos habitantes das minhas queridas ilhas que se dediquem ao adiantamento e ao progresso dos princípios democráticos: – E por que a imprensa é a grande alavanca de todos os progressos, a todos pondo em comunicação, como homenagem á imprensa desejo que o meu testamento seja impresso, e dele se tirem mil exemplares para distribuir pelos habitantes das duas ilhas das Flores e do Corvo: – E por esta forma, tenho concluído este meu testamento que quero valha e se cumpra como nele se contem, revogando por este, qualquer outro anteriormente feito; depois de o ler e achar conforme com o que ditei o assino em Lisboa aos vinte e dois dias do mês de Março de mil oitocentos e oitenta e um – António Vicente Peixoto Pimentel.

Perfil do Autor

António Maria Silva Gonçalves, nasceu na freguesia da Fazenda, concelho de Lajes das Flores a 24 de Abril de 1955, onde reside;
Concluiu o curso geral dos liceus em 1973, ano em que começou a trabalhar na Segurança Social, onde fez carreira;
Ocupou diversos cargos políticos, entre eles: Secretário da Junta Freguesia da Fazenda, Presidente Assembleia Municipal e vereador da Câmara Municipal de Lajes das Flores, presidente do Conselho de Ilha e Deputado Regional pelo círculo das Flores;
Dirigiu e ainda colabora em diversas instituições particulares de solidariedade social;
Coordenou a Revista Municipal de Lajes das Flores, foi subdiretor do Jornal do Ocidente e tem participações dispersas em prosa e poesia na imprensa regional, inclusive no Boletim do Instituto Histórico da Terceira de que é sócio. É autor de “Flores de Outros tempos (da História à Etnografia)” e “Falquejos – textos etnográficos”, dois livros que publicou respetivamente em 2019 e 2020.
Autodidata, são conhecidos ainda alguns trabalhos seus, na música, teatro e ultimamente na pintura.

António Maria Gonçalves

António Maria Silva Gonçalves, nasceu na freguesia da Fazenda, concelho de Lajes das Flores a 24 de Abril de 1955, onde reside; Concluiu o curso geral dos liceus em 1973, ano em que começou a trabalhar na Segurança Social, onde fez carreira; Ocupou diversos cargos políticos, entre eles: Secretário da Junta Freguesia da Fazenda, Presidente Assembleia Municipal e vereador da Câmara Municipal de Lajes das Flores, presidente do Conselho de Ilha e Deputado Regional pelo círculo das Flores; Dirigiu e ainda colabora em diversas instituições particulares de solidariedade social; Coordenou a Revista Municipal de Lajes das Flores, foi subdiretor do Jornal do Ocidente e tem participações dispersas em prosa e poesia na imprensa regional, inclusive no Boletim do Instituto Histórico da Terceira de que é sócio. É autor de “Flores de Outros tempos (da História à Etnografia)” e “Falquejos – textos etnográficos”, dois livros que publicou respetivamente em 2019 e 2020. Autodidata, são conhecidos ainda alguns trabalhos seus, na música, teatro e ultimamente na pintura.

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