Isto é o título
1 de maio de 2021. Dia do trabalhador. Mês de Maria, de Fátima. Visto que na nossa ilha das Flores estão inscritos oficialmente poucos desempregados esta é estatisticamente uma terra de trabalho e de grande produção, prova disso é só ver as notícias da quantidade de plantas que havia no Mosteiro. Produção per capita muito acima da média!
Neste seguimento, hoje, a ´Crónica da Fajãzinha´ irá ser governada pela minha Maria trabalhadora preferida, Ilda Maria. Relembrando os desnaturados, amanhã é o dia das nossas mães e esta será a melhor forma de registar o apreço e admiração pela minha.
Lembram-se de uma telenovela da Globo (brasileira, portanto) chamada ´Pedra sobre Pedra´? Nessa produção da década de 1990, o ator Lima Duarte (personagem Murillo) tinha por carinhoso hábito para com a sua esposa o emprego da expressão “Hilda minha filha” (leia-se com sotaque). Ele fazia-o ao cônjuge como eu evoco pontualmente à minha progenitora. Incoerências linguísticas à parte, temo que a Ilda da Fajãzinha, no seu devido enquadramento, goste de assim ser anunciada. Antes isso que o retorno Marco Alexandre em tom de reprimenda!
Nascida na Fajãzinha em 1964, Ilda Maria é o mais forte e o mais agregador elemento de uma família que é, já de si, muito unida por natureza.
Poderíamos dizer então que é a rainha dos Eduardo Henriques. Já o rei das redondezas, Paulo Estevão, vai ter a oportunidade de ver este mês D. Duarte nos Açores. Provavelmente será a passagem do trono para o único monárquico com poder real em Portugal. Isso ou o Duque de Bragança vem ajudar à transferência da vaca anã de São Miguel para o Corvo, decerto a realeza terá direito a peso extra no avião.
Sei que, infelizmente, este cenário de união familiar pode ser menos comum em todas as casas e na Fajãzinha surgem, também, problemas e momentos custosos, mas Ilda é claramente uma força que conseguiu ao longo das suas cinco décadas vencer vários mundos.
Os da perda de um filho (que mais tarde me legitimou como o primeiro herdeiro), ou a reviravolta por começar do zero excluída a hipótese de emigração com Francisco (o marido e pai deste pagagaio de Camões) para os promissores EUA. Sim, mesmo alguns daqueles que nos conhecem não sabiam que Marco Alexandre esteve a meses de nascer em terras de Joe Biden (e que bom é não ter de escrever em 2021 o último nome de Donald).
Ainda bem que assim foi, podemos desta forma contribuir para os cerca de 3 mil florentinos que por cá residem. Pode o leitor achar que são mais, mas os Censos 2021 (que podemos registar online, até segunda-feira) vão dar-nos a imagem fidedigna da desertificação da nossa terra. Imaginem que na década de 60 do século XIX tínhamos mais de 10 mil residentes.
Voltemos à realidade. Ilda Maria trouxe à banca um queijo que a maioria conhece. É dela o mérito e sucesso que a marca teve. Zanguem-se com a empreendedora os que se queixam do colesterol. Antes disso, muitos se casaram, batizaram e festejaram com os seus bolos magníficos. O de abóbora e chocolate continua a ser, ainda assim, o meu preferido.
A quem abri o apetite, valha-nos Nossa Senhora dos Restaurantes que nos brindou com mais duas aparições, uma em Santa Cruz em forma de sereia e outra nas Lajes, que, não sendo figura da mitologia, fica perto do mar.
E já que falamos do queijo, o da Ilda pode ser fresco ou curado, até temos mais um espaço para o comprar/vender. O Armazém Hélio´s pintou o edifício na rua principal de Santa Cruz estilo à Convento de São Boaventura. No que diz respeito às cores estamos cada vez mais parecidos com Angra do Heroísmo, provavelmente por termos também um galardão da UNESCO.
Galardão puxa galões para vos referir que a Ilda Maria é solidária e muito próxima da comunidade. Sei que, por exemplo, já foi ou é sócia da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Santa Cruz das Flores. A AHBVSCF, depois de muita luta na praça pública, o que não enaltece o humanismo do seu nome, escolheu o dia da Liberdade para a imposição do seu novo comandante. Esperando, para bem dos florentinos, que tudo corra pelo melhor, agora podemos vir a ter recrutamento de bombeiros porta a porta.
Para completar a biografia da minha mãe tinha de acrescentar outra dúzia de habilidades. Posso publicar que toca saxofone, há mais de trinta anos, na filarmónica local, tem muito jeito para ornamentar a igreja, onde é quase tão assídua como os párocos, mas tem duas falhas gravíssimas no currículo: embora tenha sido condutora de motociclo e ter o pé pesado para o carro só sabe andar de bicicleta se tiverem aquelas rodas de apoio (estou a brincar mãe!). Segunda falha, nada como um prego embora possa vir a aprender a dar umas braçadas em Ponta Delgada. A Câmara Municipal de Santa Cruz finalmente decidiu aplicar os milhões que tinha no banco numa obra que garantidamente tem um buraco e fundo azul, o da futura piscina. Atenção! Parece-me que o dinheiro da CMSC estava no balcão do Santander das Lajes (que por sinal deixamos fugir sem sequer levantar grandes manifestações) e em ano de eleições apareceu à superfície.
"Ilda minha Filha” é, portanto, uma mulher da terra, sem que eu conheça o paradeiro de algum inimigo, e que em tempos vendeu agrião a muitos de vocês, legado hoje em dia ao cuidado da ´titia´ Verónica. Foi "minha mãe" que colocou no canteiro a planta de café que recebi de um amigo micaelense. Infelizmente não se deu com os ares da Fajãzinha. Mais afortunados, na Fazenda das Lajes, um casal anunciou ter mais de 600 plantas de café e ambiciona inscrever uma marca de café açoriana. Caso para dizer que tudo o que seja esverdeado na folha prospera na nossa flora. Tenho vaga ideia do que estão a pensar neste momento, no entanto, eu só vejo é cana roca (conteira) - hedychium gardnerianum - em todo o lado.
Ilda Maria é também uma mulher muito afável, de confiança, de fácil lágrima no canto do olho, pessoa extremamente responsável e muito mais organizada que o filho. Resumindo, tem jeito para quase tudo e quase tudo faz bem feito. O que vos leva ao rápido raciocínio que eu sou obviamente seu filho, não é?!?
Bem feito ou não, o Plano e Orçamento para 2021 do novo executivo regional trouxe à baila algo de verdadeiramente inédito à minha embaciada memória. Foi a primeira vez que (ou)vi o Conselho de Ilha das Flores manifestar-se contra o Governo Regional, embora com legítima razão no caso. A amnésia talvez se justifique por ter pouco mais de trinta anos, nove fora vinte e quatro... ah e pela excessiva ou quase exclusiva presença política dos membros que compõe tal órgão.
Algures nesse período ´cesarista´, tinha celebrado o vigésimo aniversário há poucos dias, fora da Matriz da Fajãzinha, o meu avô - José Valadão - do alto dos seus dois metros de altura, olhou para baixo, colocou veemente a sua larga mão no meu ombro e com uma cara que expressava um misto de tristeza e deceção afirmou: "tu (e o teu primo Carlos Manuel) já não chegam a ter um terço (serve para a matemática como para a igreja) da força que eu tive".
Com certeza, e confesso alguma mágoa, acenei concordando com a cabeça e procurei desviar-me porque a omoplata gritava de alarme. A resposta certa, na altura, seria que a força física tinha a sua filha e conheço poucas mulheres com a dela. No entanto ela trespassou-me o seu saber, a curiosidade e o querer mais e melhor e tal como já publicamente referiu não queria a sua vida para os filhos o que eu humildemente admito, por preguiça, não lhe ajudo o mar que devo.
Eu agradeço-lhe todos os dias por isso. Ela até pode não me ouvir dizer isto sempre, mas eu digo, digo é só para mim. A verdade que também vos digo (outro dos seus ensinamentos) é tão frequente como a água que chove nesta terra. ´Crónica da Fajãzinha´ que é crónica das Flores tem de mencionar sempre o clima mensal. Em abril a depressão ´Lola´ que nos visitou teve, apenas, o condão de ensinar aos leigos, tipo Marco Alexandre, como é a curva de um barógrafo, neste caso o do ´Paletas´. Tal e qual a curva da pandemia, mas vista ao contrário.
Moral da história: sou um menino da mamã e humildemente vos digo que nunca chegarei a alcançar tamanha grandeza de Ilda minha Filha, Ilda Maria.
Como depois da tempestade vem a bonança, um beijo antecipado para amanhã da Fajãzinha a São Miguel.
Fajãzinha, 1 de maio de 2021
Marco Henriques
*Constatação familiar suplementar: Marta Sofia, vais ter de arranjar muitas milhas da Sata ou um cruzeiro a pai e mãe para conseguires superar tamanha demonstração pública de amor! ahaha
Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura.
Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci.
Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.