Universidade Sénior das Flores

Sócrates, talvez o mais famoso dos filósofos gregos, dizia que a aprendizagem não deve ser encher um copo mas sim alimentar uma chama.  Um copo ou recipiente é algo finito, se está cheio não leva mais nada, mas se uma chama for protegida e alimentada, dura uma vida inteira, ilumina e aquece durante uma vida inteira.

Também foi ele o primeiro a chamar a atenção para os limites do nosso conhecimento, o famosíssimo “só sei que nada sei” não significa obviamente que ele não sabia nada mas sim que ele estava consciente do quão pouco sabe mesmo o mais reputado dos sábios, e que não devemos pensar, se queremos atingir alguma sabedoria, que a aprendizagem alguma vez pára.

Nos sistemas de educação clássicos do Ocidente prevêem-se determinados anos de escolaridade preenchidos com determinadas matérias que determinado Estado decidiu que era o que se devia ensinar à juventude, e era isto a educação. Entrávamos para uma espécie de linha de montagem e iam enchendo o tal copo do Sócrates com o líquido da “sabedoria tradicional”, até que depois de 12, 16 ou 18 anos no caso do ensino superior, a aprendizagem considerava-se completa e as moças e moços avançavam para “o mundo do trabalho”, onde supostamente só iriam pôr em prática o que tinham aprendido e recolher pelo caminho experiência, no seu campo de trabalho.

Não sei quando mudou este estado de coisas, mas mudou. Primeiro percebeu-se que num mundo em evolução e mudança tão rápida, quem não aprendesse constantemente ficava para trás. Depois percebeu-se que a mente humana nunca pára de se desenvolver até o cérebro parar, se for estimulada. E quanto mais estímulo e desenvolvimento, mais se consegue atrasar esse inevitável parar do cérebro, que nos vai acontecer a todos sem excepção mas que não é necessário que aconteça em vida, como às vezes parece suceder. Percebeu-se que não é só por motivos profissionais que devemos aprender sempre mas também por motivos de saúde mental, que anda de mão dada com a saúde física.

As pessoas começaram a interessar-se mais pela aprendizagem ao longo da vida, as instituições começaram a dar resposta a esse interesse e apareceu um entre vários projectos do género, a Universidade Sénior.

Uma Universidade Sénior não é um espaço onde os mais velhos vão para se licenciarem ou tornarem especialistas nalguma coisa, é sim um espaço onde os mais velhos vão para satisfazerem a sua curiosidade, manterem a mente activa e aberta, aprender sobre temas e práticas que podem tornar a sua vida mais agradável e saudável, e também conviver, algo tão importante e cada vez mais raro no nosso tempo.

Em Portugal existe uma Rede de Universidades Séniores  (www.rutis.pt) que desde 2005 se dedica a organizar estes espaços de partilha de conhecimentos por todo o país, e que naturalmente chegaram aos Açores,  existem na Terceira, em S. Miguel e no Pico, e todos os anos dezenas de seniores assistem a estas aulas e assim alegram e melhoram a sua qualidade de vida.

As aulas são abertas a todos, a ninguém se pergunta que escolaridade tem para se inscrever, e os temas são de uma enorme variedade, desde História a Yoga, desde Pintura a Nutrição, desde Informática a Literatura, Artesanato ou Astronomia, há uma vastidão de temas, ninguém compete nem tem pressão para ser avaliado por nada e cada comunidade pode encontrar no seu seio quem se disponibilize a partilhar o seu conhecimento por algumas horas, porque todos nós sabemos alguma coisa que o próximo não sabe.

Deste modo se melhora a vida dos mais velhos, não só pela manutenção e exercício da agilidade mental como para o despertar de curiosidades sobre o Mundo e pelo convívio, e ainda inclui a prática de actividades físicas de grande benefício e ao alcance de todos como o yoga, tudo num modelo em que cada um escolhe o que lhe desperta mais interesse ou curiosidade.

Porque escolhi falar disto aqui, num site que dedicamos às actualidades, opiniões e crónicas sobre as Flores? Porque o meu pai, um dos mais recentes e mais velhos residentes das Flores, foi professor toda a vida, o ensino foi a sua paixão e quando se reformou encontrou na Universidade Sénior a continuidade dessa vocação, o preenchimento desse espaço na vida, a satisfação de transmitir conhecimento. Quando o convenci a vir para cá uma das “condições” era que haveria algo do género, para que pudesse manter a mente activa e ocupada e manter o sentido de propósito e utilidade.

Foi com muita satisfação que soube que a intenção já existia na ilha, da parte de pessoas ligadas ao Ensino e à Cultura e que querem melhorar a comunidade e a qualidade de vida dos mais velhos, mas igualmente da parte da Autarquia, que está receptiva e a trabalhar nesse sentido.

Desejo que os esforços se concretizem e que em breve haja uma Universidade Sénior nas Flores e espero ajudar a motivar todos aqueles que percebem, mesmo sem nunca ter lido sobre Sócrates, que aprender durante toda a vida é uma das chaves para a tornar mais longa e mais feliz.

Perfil do Autor

Jorge Ventura, Nascido em Leiria em 1973, quase se licenciou em Ciências Sociais mas abandonou no último ano para prosseguir uma carreira de skipper de iates, profissão que exerceu entre 1999 e 2018 tendo navegado o equivalente a 12 vezes a circunferência da Terra e passado por mais de 60 países. Aportou de emergência nas Lajes das Flores em 2005 e foi amor à primeira vista. Vive nas Lajes desde 2011 e é actualmente presidente do Clube Naval de Lajes das Flores.

Jorge Ventura

Jorge Ventura, Nascido em Leiria em 1973, quase se licenciou em Ciências Sociais mas abandonou no último ano para prosseguir uma carreira de skipper de iates, profissão que exerceu entre 1999 e 2018 tendo navegado o equivalente a 12 vezes a circunferência da Terra e passado por mais de 60 países. Aportou de emergência nas Lajes das Flores em 2005 e foi amor à primeira vista. Vive nas Lajes desde 2011 e é actualmente presidente do Clube Naval de Lajes das Flores.

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