A Náutica de Recreio nas Flores

Isto é o título

Dada a sua localização geográfica, a Ilha das Flores tem uma posição privilegiada num arquipélago já de si privilegiado, por ser a mais ocidental, a última de onde se pode partir em direcção às Américas e a primeira que se vê na viagem na direcção oposta, no regresso à Europa vindo da Costa Leste dos Estados Unidos ou das Caraíbas.

Isto é uma evidência desde o século XVI, a partir do qual armadas de corsários e piratas se emboscavam nas suas águas à espera das frotas das Índias, mas não serviu de grande coisa à modernidade Florentina.

A Horta viu a sua baía bem protegida, as infra estruturas a aparecer e o Faial a tornar-se o centro do iatismo mundial que é hoje enquanto as Flores cá continuaram meio esquecidas, demandadas por aventureiros ou navegadores que procuravam sair dos caminhos mais batidos e não se importavam com a falta do que ao longo dos tempos foram sendo consideradas as “condições”.

Durante muitos anos passei ao largo das Flores em travessias do Atlântico nos dois sentidos, e nunca parava, fazia sempre escala em Ponta Delgada ou na Horta por uma razão muito simples: sabia que não havia aqui as famosas “condições”, como uma marina, cais de combustível, abastecimentos em variedade suficiente e possibilidade de reparações ou substituição de material desgastado. Para os navegadores de recreio isso não é um problema, para os profissionais sempre foi, porque não somos donos do nosso tempo, não andamos no mar para nos recrear mas sim para cumprir uma tarefa, que no meu caso era levar uma embarcação de A a B o mais rápido e em maior segurança possível.

Em Junho de 2005 um conjunto de avarias e situações delicadas a bordo quando estava a caminho da Nova Escócia, já 200 milhas a Oeste da ilha, ditou inverter o rumo e voltar para trás, para o porto mais próximo, as Lajes das Flores. Confirmei o que era do conhecimento geral na comunidade náutica: o que havia aqui era beleza de tirar o fôlego, boa vontade, capacidade de desenrascar e pouco mais.

Nos anos seguintes construiu-se um porto de recreio, não sabendo nada de engenharia não sei se foi bem ou mal feito, mas conhecendo e sendo utilizador de dezenas de marinas por todo o mundo posso confirmar que era uma miséria, não só pelas condições de amarração e protecção mas por tudo o que deve existir em torno de uma marina e que aqui nunca existiu. Ainda assim, a palavra espalhou-se e uma má marina é (quase sempre) melhor que marina nenhuma, a beleza da ilha e o passa palavra da internet atraiu cada vez mais iatistas e entre 2011 e 2019 milhares de veleiros visitaram as Lajes e a ilha, cada um deles deixando a sua contribuição para a nossa economia. Nesses 8 anos a marina e a cidade da Horta evoluíram, acrescentaram-se e melhoraram as condições e serviços aos iatistas que prolongaram as suas estadias e despesas. Nas Flores não se fez nada, a única melhoria aconteceu já em 2019, de iniciativa privada, a instalação de uma lavandaria pública no porto.

Eis que em 2019 as coisas mudaram à força, no caso foi a força da Natureza, sob a forma de um furacão que destruiu porto e marina. Vivemos uns meses de incerteza em que a menor das nossas preocupações era uma marina para recebermos iates mas o problema principal está em vias de resolução, arquitectos, engenheiros, construtores e projectistas fazem horas extraordinárias e a União Europeia vai disponibilizar a pequena fortuna que vão custar as obras de reconstrução do porto das Lajes. Estando assegurado o futuro dos abastecimentos e transportes marítimos comerciais da ilha, é altura, e já começa mesmo a tardar, de saber o que querem o governo e a Portos dos Açores para a Náutica de Recreio nas Flores.

Não sei se o plano é refazer tal como estava ou se é para fazer em bom, não sei se como em 2011 vão ser engenheiros, funcionários e políticos com conhecimentos reduzidos das necessidades da vela oceânica que vão desenhar e decidir, não sei se a intenção é criar um porto de recreio com condições de segurança e possibilidade de serviços para aproveitar ao máximo o nosso enorme potencial na náutica de recreio ou se a náutica de recreio e desportiva nem sequer figura nas preocupações dos decisores.

O tempo urge, as obras vão avançar e esta é uma questão que interessa à comunidade marítima das Flores e ao sector do Turismo, um dos suportes principais da nossa economia, e será uma tristeza se não se aproveitar esta oportunidade para dotar as Lajes e a ilha com um porto desportivo e de recreio digno de nos servir como creio que merecemos, por não termos menos direitos que os restantes Açorianos.

Perfil do Autor

Jorge Ventura, Nascido em Leiria em 1973, quase se licenciou em Ciências Sociais mas abandonou no último ano para prosseguir uma carreira de skipper de iates, profissão que exerceu entre 1999 e 2018 tendo navegado o equivalente a 12 vezes a circunferência da Terra e passado por mais de 60 países. Aportou de emergência nas Lajes das Flores em 2005 e foi amor à primeira vista. Vive nas Lajes desde 2011 e é actualmente presidente do Clube Naval de Lajes das Flores.

Jorge Ventura

Jorge Ventura, Nascido em Leiria em 1973, quase se licenciou em Ciências Sociais mas abandonou no último ano para prosseguir uma carreira de skipper de iates, profissão que exerceu entre 1999 e 2018 tendo navegado o equivalente a 12 vezes a circunferência da Terra e passado por mais de 60 países. Aportou de emergência nas Lajes das Flores em 2005 e foi amor à primeira vista. Vive nas Lajes desde 2011 e é actualmente presidente do Clube Naval de Lajes das Flores.

Crónicas Geral Sociedade

Flores, 20 anos depois

Flores, 20 anos depois No dia em que escrevo, completam-se vinte anos desde que cheguei às Flores. Vinte e cinco horas de viagem no Golfinho Azul, partindo da Praia da Vitória, passando por Graciosa, São Jorge, Pico e Faial. No porão ia o meu Suzuki Samurai, carregado até mais não com coisas que achei essenciais. […]

LER MAIS
Distintos Florentinos Geral

PADRE INÁCIO COELHO

(1575-1643) Fundador do Convento de S. Boaventura   Nasceu em Santa Cruz das Flores por volta de 1575, filho de Mateus Coelho da Costa, Capitão-mor das Flores e do Corvo, e de sua primeira mulher, Catarina Fraga (por sua morte, ocorrida a  13 de Agosto de 1594, Mateus Coelho da Costa voltaria a casar, desta […]

LER MAIS
Cultura Geral Sociedade

Um acto simbólico

Centenário de Pedro da Silveira (1922-2022) A Eng. Manuela Meneses, da direcção da Casa dos Açores em Lisboa, inaugura a placa no prédio em que viveu Pedro da Silveira. A placa no prédio 14 da Rua Freitas Gazul, em Campo de Ourique, Lisboa. Presentes conversam sobre o homenageado. Manuela Meneses lê mensagem enviada por Luís […]

LER MAIS