“Histórias das Minhas Gentes #43”

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A minha data feliz, comemorei quando completei 8 anos de idade. Acordei de manhã cedo e estava um lindo dia de primavera. Pedi à minha mãe que queria vestir um vestido. Ela revirou no baú das coisas de verão e encontrou um que tinha vindo do Canadá numa encomenda e que eu já tinha usado no ano anterior mas que ainda me servia perfeitamente porque eu era uma lingrinhas!

Lembro me de sair para o pátio empedrado da casa velhinha da minha infância e fazer rodopiar alegre o meu vestido rodado e florido. Como era doce a infância. O único pensamento era de uma satisfação enorme de o sol estar a aquecer-me os braços desnudos e o meu rosto de criança.

Tive um bolo com cobertura. Não me lembro em anos anteriores de me fazerem bolo. A minha mãe andava sempre tão ocupada entre lavar montanhas de roupa no poço, alimentar os porcos, as galinhas, joeirar areia para as obras da casa nova, cozinhar para as cinco bocas, aquecer tachos de água para o banho… (vida desgraçada tinham as mulheres há quarenta anos atrás!), que não havia tempo para esse tipo de mordomias. Mas tínhamos sempre um miminho para celebrar mais um ano de idade. Um ano lembro-me que foi uma “água de cheiro”. E era mesmo isso, uma água com um cheiro fresco, talvez alfazema… não sei. As velhotas na missa tinham todas aquele cheiro! Mas eu usava, envaidecida, que já era senhora de ter o meu próprio perfume,  que ficava em cima do frigorífico, na sala de jantar. Era um lugar seguro. Naquela casa minúscula em que o quarto de cama era partilhado com os meus pais e os meus irmãos, não havia espaço para mais nada. O baú da roupa ficava no quarto de jantar e servia de assento para as refeições a mim e ao meu irmão, devido à fraca existencia de cadeiras. Por detrás do fogão havia papel de parede fixado com uma cola que a minha mãe fazia, que consistia na mistura de farinha com água e de vez em quando, com a humidade, lá escorregava o papel da parede.

O armário amarelo de madeira guardava um conjunto de chá todo rococó que a minha mãe comprou na loja do primo João Medeiros e que nunca me lembro de ser usado de tão chique que era. Nesse mesmo armário, dentro de um frasco a minha mãe guardava a caixa de Melhoral Infantil. Uns comprimidos minúsculos cor de laranja que ela nos dava para a febre ou dor de garganta e que eu comi algumas vezes às escondidas de tão docinhos que eram. Não morri! Nem tive nenhuma intoxicação! Bem que há quarentas anos atrás os comprimidos eram tipo placebos… sabor a laranja e tal!

Sobrevivi a esse aniversário, com o meu bolo coberto de açúcar confeiteiro, o meu vestido florido rodado e 34 anos depois aqui estou eu, a pensar como encontrar uma máquina do tempo que me leve ao frasquinho de água de cheiro suave de alfazema!

Perfil do Autor

Nascida a 08 de maio de 1979, natural de Santa Cruz das Flores, fez ensino primário na freguesia de Ponta Delgada, ilha das Flores onde residiu durante a sua infância e juventude. Concluiu o ensino secundário na Escola Básica e Secundária da ilha das Flores. Foi subdiretora do Jornal As Flores entre o período de 2006 e 2007, assumindo depois o cargo de diretora do mesmo jornal entre o período de 2008 a 2012.

Atualmente é assistente técnica no Município de Santa Cruz das Flores, mediadora de seguros, colaboradora no jornal digital 9idazoresnews e correspondente da RTP/Açores.

Maria José Sousa

Nascida a 08 de maio de 1979, natural de Santa Cruz das Flores, fez ensino primário na freguesia de Ponta Delgada, ilha das Flores onde residiu durante a sua infância e juventude. Concluiu o ensino secundário na Escola Básica e Secundária da ilha das Flores. Foi subdiretora do Jornal As Flores entre o período de 2006 e 2007, assumindo depois o cargo de diretora do mesmo jornal entre o período de 2008 a 2012. Atualmente é assistente técnica no Município de Santa Cruz das Flores, mediadora de seguros, colaboradora no jornal digital 9idazoresnews e correspondente da RTP/Açores.

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