Há dias atrás lembrei-me de uma história da minha infância.
Quando fui viver para a casa nova, na rua das Casas de Baixo, passei a ser vizinha dos meus avós paternos. Eram, como a maioria dos idosos que conheci na época, praticamente analfabetos. Para ajudarem aos pais, desde novos, abandonaram a escola. O meu tio João é que respondia por eles às cartas dos meus tios emigrados. Quando o meu tio foi viver para São Miguel a minha avó falou com a minha mãe que estava sem ninguém para lhe fazer isso e a minha mãe como sabia que eu era uma “desenrascada” nas escritas perguntou-me se os queria ajudar. Então mais ou menos uma vez por mês eu sentava-me na sala dos meus avós a ler a correspondência recebida e a dar resposta às missivas. Eu ganhei a prática e no final já sabia tudo o que os meus avós queriam contar, e quando lhes lia as cartas no final eles concordavam sempre com tudo. Eu fazia um esforço para fazer a caligrafia escolar, nada de modernismo de letras “à máquina”, porque os meus tios não iam perceber.
Os blocos de cartas eram daqueles com linhas sem margens, linhas fininhas azuis e a capa do bloco por norma tinha um avião desenhado. Os envelopes eram azuis também, com uma margem colorida de azul e vermelho e creio que no canto superior direito vinha um “por avião”. Os selos eram comprados na loja do Sr.º João Caldeira, uma lambidela na parte de trás que trazia cola pronta a ser humedecida resolvia a colagem no envelope. Depois ia colocar-se na caixa do correio colocada à entrada do mesmo comércio.
A minha avó queria sempre recompensar-me e dava-me uma notinha para o meu mealheiro.
Uma coisa que a minha avó Amélia partilhava comigo, porque sabia que eu adorava, era a sua revista Cruzada. Aquele minúsculo livrinho tinha sempre uma mensagem bonita, uma história comovente, palavras cruzadas… para a “pobreza“ de acesso à cultura que se vivia na altura aquele livrinho para mim era um verdadeiro luxo.