Era mês de Setembro, semana de Santo Amaro em Ponta Delgada. Eu tinha 4 anos, a minha irmã 1 ano de idade. Apanhamos sarampo. Eu tive febre ligeira, o corpo todo coberto de manchas vermelhas, mas a minha irmã de tão tenra idade foi atingida por febres altas. Chorava muito. Numa época em que ainda havia elevada taxa de mortalidade infantil nas Flores e a minha mãe perdera um recém-nascido dois anos antes, a aflição era grande. Lembro-me de olhar para mim com os olhos cheios de lágrimas e dizer: Maria, reza pela nossa menina.
Eu então ajoelhei-me aos pés da cama, fechei os olhos e pedi com muita força a Deus, o Deus bom e misericordioso que os meus pais e avós me deram a conhecer desde pequena. E fui atendida. Dizem que o coração puro das crianças tem uma ligação direta com a Graça Divina.
A minha irmã melhorou e eu também. Mas o sarampo era altamente contagioso, então nesse domingo de Santo Amaro pela primeira vez eu faltei à missa e vi a procissão passar, ao longe, da vista da janela do nosso quarto. E rolou uma lagrimazinha no meu rosto de menina pela tristeza de não poder ir na procissão de mãos dadas com os meus avós que nos levavam sempre.
O sarampo levou a minha mãe à cama também, era ela uma jovem mulher com trinta anos. E nessas idades era para “rapar” como agoiravam alguns antigos. A minha avó andou a socorre-la e a encher nos a barriga até ela recuperar.
O termómetro ficava guardado na gaveta da mesa da televisão. Aquela gaveta que guarda as tralhas todas que ninguém sabe de onde vieram. Eu, que via a minha mãe a sacudir o aparelho para fazer baixar o nível do mercúrio, aquele gesto que se chamava de descarregar o termómetro, quis imita-la. Retirei-o cuidadosamente da caixinha e comecei a sacudi-lo. Bati acidentalmente com a ponta na gaveta e parti-o. Aflita chamei a minha mãe: mãe, eu parti o termómetro, mas foi só a pontinha!
- Ah sua tolinha, a pontinha é o mais importante! – responde brava a minha mãe.