Era uma manha fria de dezembro. Um dia de escola diferente. O autocarro da Federação dos municípios ia levar os meninos todos da escola à festa de Natal dos franceses. Eu não sabia o que isso era, mas soava a algo grandioso e especial. A minha mãe pós me a melhor saia que eu tinha, uma xadrez de peito e suspensórios que ela e a minha avó tinham costurado o Natal passado e como eu era "miudinha" ainda me servia. As collants eram vermelhas de lã quentinhas, mas que escorregam pelas pernas abaixo e faziam com que eu passasse todo o tempo a puxa las para cima (sei que todas as que foram meninas recordam o quão irritante era a sensação).
O autocarro ia cheio. Devíamos ser umas sessenta crianças na altura, só de primeiro ciclo, porque pré-primária ainda não havia. Hoje arrepio me quando ouço que na escola de Ponta Delgada estudam pouco mais de uma dúzia.
Quando chegamos ao famoso ginásio dos franceses, pasmei com o formato do edifício. E a decoração? Era algo de outro mundo. As luzes eram bolas grandes e coloridas, inúmeros fios brilhantes de todas as cores. Estrelas grandes pendentes por fios de seda no teto. Havia inúmeras cadeiras cor de laranja onde nos sentamos e pudemos assistir ao espetáculo. Foi a primeira vez que vi palhaços. Houve números de acrobacia, música (mon bon sapin, roi de florest) naquela língua estranha aos meus ouvidos. Afinal sobre os franceses só ouvia os meus pais falarem: olha é o carro dos franceses (quando passava uma carrinha azul pela freguesia), os franceses deixaram estender o sargaço no serro..
Começaram a desafiar as crianças para irem ao palco cantar uma música. Eu sempre fui uma descarada e lá fui às luzes da ribalta cantar a música ensinada recentemente pela professora Graça:
"barqueiro deita o barco ao Mira
Barqueiro vamos navegar
Mas olha se o barco vira
La no meio do Mira
E eu não sei nadar.
Se tu soubesses Maria
Se tu soubesses nadar
Deitava se o barco ao Mira
E eu e tu Maria
Íamos navegar.."
Ainda bem que na altura eu não tinha noção do quão cana rachada eu era!! Ah felizes as crianças são na sua sã Inocência.
O ato de valentia valeu me um precioso punhado de rebuçados que trouxe para o meu lugar disposta a partilhar com os meus colegas. Mas de repente entrou o Pai Natal e deu se uma chuva de rebuçados que a criançada apanhou delirante.
Naquele momento brilharam os olhos de todos os meninos numa alegria evidente. Os franceses fizeram felizes os natais de muitas crianças.