Hoje estou profundamente grata a sra. Fátima Henriques pela sua partilha. Vou tentar encadear as coisas pela mesma forma como me cedeu em manuscrito:
" Vou tentar escrever o que me vai na memória.
O que me lembro.
Cantar os anos bons e os reis. O rei preto era só na Lomba, tradição daquela freguesia.
As crianças só podiam cantar durante o dia, os adultos a noite.
O que precisávamos para cantar os anos bons e os reis? Primeiro: alegria e para acompanhar um tambor feito da bexiga do porco, enchíamos e lá dentro púnhamos uns grãos de milho ou feijão, isto para pôr a secar ao fumeiro na baralha das linguiças. Quando estava em condições de ser usado, aqueles grãos davam o som certo. Então os arcos da pereira serviam para o efeito, fazer o tambor. Só muito mais tarde o comércio teve bonitos, coloridos e mais bem feitos, mas nunca com aquele som tão bonito. Os ferrinhos íamos pedir ao ferreiro para fazer um triângulo, com outro para bater. Também havia quem sabia tocar e tinha uma gaita. Estava tudo pronto para ir cantar. O trovador e seus amigos acompanhantes iam de porta em porta a dar as boas festas.
Já chegou a vossa porta
Quem havia de chegar
São todos amigos vossos
Boas festas vimos dar.
Refrão: alegrem se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da virgem Maria.
(Se demoravam muito a abrir a porta)
Oh nobre dono da casa
Galhinho de salsa crua
Faz favor abrir a porta
Que faz muito frio na rua.
Oh nobre dono da casa
Vim por montes e canadas
Pelo jeito que estou vendo
Mal empregadas passadas.
(Quando abriam a porta)
Eu já vejo a porta aberta
Também vejo a luz acesa
Vamos entrar para dentro
Com toda a delicadeza.
(Dentro junto ao presépio)
Em Belém a meia noite
Nasceu um manso cordeiro
O nome que lhe deitaram
Jesus Cristo verdadeiro.
Do varão nasceu a vara
Da vara nasce a flor
Da flor nasceu Maria
De Maria o Redentor.
Oh meu menino Jesus
Onde está teu anel d'ouro
Deixei o lá na ribeira
Em cima do lavadouro.
Oh meu menino Jesus
Onde está a camisinha
Deixei a lá na ribeira
Em cima d'uma pedrinha.
Oh nobre dono de casa
Sua agulha me picou
Meta a mão na algibeira
Pague bem a quem cantou."
(Continua...)