“Histórias das Minhas Gentes #3”

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Na década de oitenta a apanha de algas na ilha das Flores era um rendimento extra no verão para muitas famílias. Minhas primeiras memórias são da minha mãe a segredar-me ao ouvido logo de manha, ainda o sol nem tinha raiado: a mãe vai para o sargaço, não se sai para a rua. Mais tarde ela voltava a casa para nos alimentar e vestir e íamos para o porto da freguesia ou para a Rocha do Vento, dependendo onde estava a ocorrer a apanha. Nós pequeninos ajudávamos aos nossos pais a estender o sargaço, que não era nada mais nada menos que espalhar as algas em meia faixa de caminho ou por cima da relva do serrado dos franceses para as ditas algas secarem ao sol. Quanto mais bem sequinhas e limpas, mais valor teriam depois junto ao comprador. Quando comecei a ficar mais crescida (tinha menos de oito anos, ainda morava na casa velhinha) aventurei-me a encher a minha própria saquinha de algas e subi e desci a Rocha do Vento com água salgada que escorria da saca das algas pelas costas abaixo, mas muito orgulhosa da minha robustez. E nesse verão, fui vários dias nessa aventura, também queria ir vender o meu montinho de sargaço e ganhar bom dinheiro como os meus pais. No dia que veio o comprador à freguesia eu notei que a minha mãe adicionou mais um braçado de algas ao meu montinho e no final rendeu dois contos. Dois contos! Era muito dinheiro! A minha mãe disse: podes comprar uma saia de ganga. Na altura começou a moda das saias de ganga e eu era uma menina vaidosa e lá dei o dinheiro à minha mãe para quando fosse a Santa Cruz me comprasse a saia. Lembro-me de vesti la até a minha mãe dizer: já fica muito curta!

Ano seguinte fiz o mesmo esforço. Mas foi um ano azarado. Tanta gente da freguesia, com tantos kilos para vender, alguns com mais de uma tonelada de algas e o comprador recusou se a comprar. Penso que algo a ver com a qualidade. Foi tudo para adubar as terras. Foi um verão pobre e triste.

Lembro outro pormenor também, havia a apanha das algas que enxurravam nas pedras empurradas pela maré e havia a apanha de mergulho onde as pessoas levavam redes e boias e sacas amarradas à cintura e mergulhavam para colher do fundo do mar. Eram as algas de melhor qualidade. E ainda hoje ouço pessoas a dizer: eu não sei nadar, mas mergulhei tanto ao sargaço. Gente trabalhadora e corajosa que a nossa ilha gerou!

Perfil do Autor

Nascida a 08 de maio de 1979, natural de Santa Cruz das Flores, fez ensino primário na freguesia de Ponta Delgada, ilha das Flores onde residiu durante a sua infância e juventude. Concluiu o ensino secundário na Escola Básica e Secundária da ilha das Flores. Foi subdiretora do Jornal As Flores entre o período de 2006 e 2007, assumindo depois o cargo de diretora do mesmo jornal entre o período de 2008 a 2012.

Atualmente é assistente técnica no Município de Santa Cruz das Flores, mediadora de seguros, colaboradora no jornal digital 9idazoresnews e correspondente da RTP/Açores.

Maria José Sousa

Nascida a 08 de maio de 1979, natural de Santa Cruz das Flores, fez ensino primário na freguesia de Ponta Delgada, ilha das Flores onde residiu durante a sua infância e juventude. Concluiu o ensino secundário na Escola Básica e Secundária da ilha das Flores. Foi subdiretora do Jornal As Flores entre o período de 2006 e 2007, assumindo depois o cargo de diretora do mesmo jornal entre o período de 2008 a 2012. Atualmente é assistente técnica no Município de Santa Cruz das Flores, mediadora de seguros, colaboradora no jornal digital 9idazoresnews e correspondente da RTP/Açores.

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