Sempre gostei muito de andar atrás do meu pai. Nunca fazia cara feia a ir para a terra. Mas o que eu adorava mesmo era ir para a pesca.
Tenho duas histórias muito engraçadas e marcantes para mim que vou partilhar.
A primeira tenho de começar por explicar que o meu pai construiu uma jangada. Não tínhamos barco e a criatividade do meu pai levou o a construir essa ferramenta de transporte marítimo. Uma câmara de ar de um pneu gigante, provavelmente de uma retroescavadora, servia de base de suporte e de melhoria das condições de flutuação. Por cima assentava a estrutura de madeira onde nos sentávamos e onde encaixavam os remos. A boia (câmara de ar) era presa à estrutura de madeira por uma corda. Num dia de outono, o mar estava calmo na baía de Ponta Delgada. Arreamos a jangada na Laginha e fomos a remar até ao Degredo. Ancoramos e saltamos para pedra onde tivemos uma bela pescaria. Creio que devíamos ter à volta de umas trinta vejas repartidas em três molhes. Salto para a jangada enquanto o meu pai a segura pela corda em cima da pedra. Salta o meu irmão. Tudo bem, tudo perfeito. Salta o meu pai de corridinha todo airoso e mete o pé demasiado na borda da suposta proa e desequilibra o nosso meio de transporte que deu uma cambalhota e nos atirou todos ao mar. Estávamos de sapatilhas, calças de ganga, ficamos encharcados e pesados. Ainda me lembro de estar a nadar para vir à tona, avistar um dos molhes de vejas e agarrar com uma mão. Ponho a cabeça de fora às gargalhadas, orgulhosa de salvar parte da pescaria. O meu pai estava furioso, de orgulho ferido da sua jangada ter virado. Sentado no cimo da rocha do porto estava o nosso amigo Manuel Silva que testemunhou toda a nossa tragédia. Quando chegamos ao porto o sr. Manuel disse: oh José, tu és doido, ir com esses pequenos nessa coisa! Na realidade ele até estava a achar piada aos pinguços molhados na sua frente.
Outra história foi um serão que fiz com o meu pai nas Baixas. Meu pai ia armado de boa isca. Contava apanhar um bom peixe, graúdo. Levou o serão a apanhar moreias pretas. Atirava as para trás das costas e dizia: mais uma nojenta dessas que a tua mãe nem vai querer fritar. E lá tirava eu a cabeça aquela bicho asqueroso que me parecia uma serpente que se ia enrolar toda em mim e atirava a dentro do balde para levar pra casa. Moreia? ainda se fosse pintada diria a minha mãe. O mar estava a ficar revolto, as moreias sem cabeça a revirar dentro do balde e o meu pai mal humorado. Pela primeira vez na minha vida de mini pescadora eu disse: pai, podemos ir para casa?
No regresso só pensava nas moreias, no mar revolto e o meu passo era lento. Diz o meu pai: só falta agora ter de te levar as costas!! Eu ri me e apressei o passo, com a certeza que ia ter pesadelos com essa pescaria.