Cresci na freguesia de Ponta Delgada. Durante muitos anos os meus pais não tiveram carro. Vir a Santa Cruz devia ser umas duas vezes por ano. Então as compras eram feitas no comercio local da freguesia. Comecei de muito novinha a ir às compras para a minha mãe. Era tão pequenina que para o saco das compras não arrastar no chão eu tinha de vir de "lado" para o puxar mais para a anca para não arrastar no chão. Se fosse pouca coisa a minha mãe dizia e eu decorava, senão ia eu de bilhetinho na mão para entregar ao sr. João Caldeira. Naquela altura Ponta Delgada tinha mais de seiscentas pessoas e haviam quatro espaços comerciais: o sr. Aurélio, o sr. Francisco Raulino, o meu primo João Medeiros e o sr. João Caldeira. Ia mais vezes a esta última. Ainda consigo lembrar me perfeitamente da configuração das lojas. O sr. João Caldeira só vendia mercearia, os restantes vendiam um pouco de tudo. No sr. Francisco comprávamos as sandálias plásticas que serviam para usar no verão, para proteger os pés nas pedras do rolo quando íamos para o mar. No primo João Medeiros era uma alegria ir na altura do natal, pois recebia sempre brinquedos e bolas de natal e os armários da sua loja eram sem dúvida os mais bonitos. Foi numa das suas montras que boquiaberta vi um bebê chorão com pilinha. Isso para uma menina da época era uma grande descoberta! Da loja do sr. João Caldeira não consigo esquecer o cheiro a queijo que vinha do armário de rede onde ele o guardava. Quando a minha mãe me mandava comprar queijo era eu a provadora e que importante tarefa!
Também recordo moer o café num moinho grande manual dentro do balcão. Aí por norma algum adulto cordialmente me vinha dar uma ajudinha.
No pátio da loja juntavam se alguns homens depois das suas tarefas, da agricultura ou pesca, para beber um copo de vinho, fumar um cigarro Santa Justa ou Santa Rosa e conversar. Um deles era o meu tio avô: José Cabral que sempre que me via dizia: João dá um chocolate à pequena. Eu agradecia com um beijinho na face dele suada do trabalho da terra e corria feliz pra casa partilhar o chocolate 9ilhas com os meus irmãos. Pobreza? Nunca a senti. Sempre fui feliz com as pequenas coisas!