“Crónica da Fajãzinha #1”

Isto é o título

2020. Terminou um dos anos mais incertos da nossa História. Apesar de quase terem desaparecido os abraços físicos reinventamos novas formas de manifestar os nossos afetos. Por cá a norma foi reproduzida.

   

Na Fajãzinha, de onde vos escrevo, cumprimos uma volta ao Sol em que nasceram duas crianças e nos deixaram outros tantos conterrâneos, sem somar aqueles que partiram do outro lado do Atlântico e que também nos são queridos. 

 

Pese embora a mesma percentagem demográfica, creio que poderei dizer que 2020 ficará marcado pelo encerrar de portas do conhecido empresário local José Pimentel Baldes. Este era o último ponto de referência da freguesia no que diz respeito a uma “paragem obrigatória”. Não se trataria certamente do melhor café do mundo ou se traduziria a sua fama pelo avolumado volume de mercearia escoada, mas os habitantes da freguesia, os nossos vizinhos do Mosteiro e Fajã Grande, bem como os viajantes da restante ilha viam neste espaço um marco de vida. O José Baldes por cá anda de boa saúde para dois dedos de conversa sobre a história das gentes da Fajãzinha ou para uma análise política da sua ilha, ou então sobre a performance menos conseguida (hoje em dia) do nosso Glorioso. Ainda assim naquele espaço, em pleno Rossio, falta agora o ´José Pimentel Baldes´ como em tempos deixamos de ter a mercearia da Sra. Lídia Avelar ou no topo da Ladeira a loja do Sr. Maurício.  

 

Por cá vos digo que demos início a uma obra que há muito era almejada por todos. A reestruturação da Matriz da Fajãzinha. Demos, porque esta é uma reparação que é de todas as 74 almas que neste pitoresco lugar residem. É também dos nossos emigrantes que sempre nos auxiliaram em todo o conceito que diz respeito a comunidade. E também de toda a ilha, como foi exemplo nas últimas Sopas de Espírito Santo servidas nas Flores, mesmo que não tenha provido a “meia missa”. O edifício é grandioso e será tratado enquanto cá residir alguém, porque é nosso e mesmo para os menos crentes é do escasso, mas valioso património que por cá foi edificado.

 

Quando aceitei começar a escrever neste espaço fi-lo, principalmente, por três motivos que se interligam. Primeiro porque é a área pela qual me formei mesmo que este género estivesse longe das pretensões na altura. Segundo porque já era uma resolução para o novo ano e “last but not least”, porque vivemos numa ilha em que se perdem de dia para dia os parcos registos que sábios florentinos souberam antes de nós imortalizar. E é aqui que há espaço para a Fajãzinha. Foi o jornal ´O Monchique´ o último bastião da imprensa nas Flores. Estávamos em 2015 e pelo caminho já perdemos a marca de acontecimentos equivalente a “meia geração”.  Foi a extinção do ´O Monchique´, tal como outrora do saudoso jornal ´As Flores´, uma perda irreparável uma vez que era a única e última forma de registar no papel, deixar no arquivo, tudo aquilo que é digno de eternizar. Reparemos só que o ´Furacão Lourenço´ nunca será recordado nos meios de comunicação social da ilha porque esse espaço simplesmente já não existia. Nem a RTP-Açores integrava nos seus quadros em tal outubro sombrio um correspondente na ilha. Valeu-nos o de sempre deslocado Vasco Pernes que acompanhou o antigo Presidente do Governo Regional dos Açores para uma noite de tempestade séria a Ocidente.   

 

Certamente ´O Monchique´ daria nota que no Rossio em 2020 se tinha deixado de beber café no ´José Baldes`. Seguramente o editorial de um dos jornais da nossa terra nos diria que pela primeira vez na história tínhamos elegido um monárquico como legitimo representante das Flores num hemiciclo de todas as ilhas.   

Em poucos dias ficaria registada a foto do primeiro florentino vacinado contra o SARS-CoV-2. Valha-nos a ´cloud´. Que ela nunca se dissipe.   

 

2021. Na Fajãzinha espera-se o fomento da saúde dos que por cá habitam, melhorias anunciadas por parte da nossa edilidade e quem sabe novas surpresas para uma terra onde a gastronomia continua a ter o seu lugar no Pôr-do-Sol, com o queijo da senhora minha mãe ou se preferirem diretamente da terra, não estivéssemos num tempo em que o lema deveria ser para todos ´Be Bio´.

 

Faltaria falar-vos sobre a banda. Assim farei nos próximos escritos, deixando-vos a seguinte nota musical: a Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios pretende para esta década estreitar parcerias e fazer por granjear o aval da sua comunidade.  

Com um objetivo claro de continuar a fazer crescer o padrão musical, mesmo com as dificuldades acrescidas da atual conjuntura, terá que para isso fundamentalmente valorizar e reforçar a sua Escola de Música localmente. E tal como é reconhecido por onde passa lá fora, a filarmónica que é de toda a ilha cá dentro, tem como consequência elevar o seu sentido de responsabilidade e de grupo.  

 

Se me permitem, termino com duas efemérides e uma referência. Ontem, último dia do ano, nasceu em 1953 aquele a que eu chamo pai, Francisco Henriques. No mesmo dia e no mesmo ano aquela que me ensinou a ler e escrever, Rita Furtado. Poucas dezenas de metros da Queijaria Pico Redondo, mas meio século antes do meu progenitor tinha nascido um tal de Alfred Lewis. Este escreveu: ´Minha Ilha, Minha Casa´. É assim que me sinto, foi por isto que voltei. 

 

 

Fajãzinha, 1 de janeiro de 2021. 

 

Marco Henriques 

Perfil do Autor

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura.

Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci.

Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

Marco Henriques

Marco Henriques, natural da Fajãzinha, nasceu em 1988 e é licenciado em Comunicação Social e Cultura. Trabalhou enquanto jornalista no Diário dos Açores entre 2009 e 2011 e é Oficial de Operações Aeroportuárias desde 2012 na empresa ANA - Grupo Vinci. Colaborou com o jornal “O Monchique” entre 2006 até à sua extinção e é desde 2017, ano em que regressou à ilha das Flores, Presidente da Direção da Filarmónica União Operária e Cultural Nossa Senhora dos Remédios.

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