Isto é o título
Um dos meus trabalhos é a gestão de uma propriedade em Alojamento Local, pertença de uma cidadã alemã. Há pouco tempo recebi um telefonema de Lisboa, uma senhora que queria informações. Como faço quase tudo o que for possível para evitar falar ao telefone, disse-lhe que podia visitar o site da internet onde encontraria todas as informações sobre a ilha e as casas e onde até podia fazer a sua reserva, se quisesse.
Passado algum tempo a senhora voltou a ligar, a dizer que lamentava mas o site estava em inglês. Fiquei com uma vergonha tal que se tivesse um buraco para me enfiar, tinha sido logo. Não fui eu que fiz o site e nunca tinha reparado que quem o fez nem sequer se deu ao trabalho de incluir a possibilidade de tradução automática, uma ferramenta altamente imperfeita e geradora de muitos mal entendidos mas que sempre é melhor do que nada.
Toda a gente tem um ódio de estimação, ou vários, um dos meus é a mania, ou tendência que se instalou em Portugal, de dar nomes em inglês a tudo o que mexe ou possa vir a mexer, hábito que começou a ser adoptado há cerca de duas décadas por alguns empreendedores que regressavam do estrangeiro com ideias a adaptar mas que cedo alastrou como um incêndio no Verão, hoje em dia desde o governo a criar organismos com nome em Inglês até à loja de gelados na esquina passando pelos trabalhos de grupo na escola, parece que se não temos um nome para a coisa em inglês é porque estamos a falhar em alguma parte.
A lista seria longa demais para trazer aqui mas todos sabemos bem do que se trata, dar um nome em inglês ou usar expressões em inglês entende-se como sinónimo de modernidade, e se formos a ver bem não vem daí mal nenhum ao mundo, o país quer-se cosmopolita, a maior parte dos turistas que nos visitam fala alguma coisinha de inglês e se usar muito inglês no dia a dia pode ser visto pelos mais velhos e chatos como eu como presunção, ter uma população jovem que está à vontade com línguas estrangeiras só pode ser visto como uma coisa positiva.
O turismo é um esteio da nossa economia, nacional e regional, e temos nas línguas uma vantagem enorme: a maior parte dos portugueses, mesmo quando só sabe seis palavras de inglês, tem a confiança e a boa vontade necessárias para tentar comunicar em inglês, e a maior parte das vezes consegue. É das maiores homenagens e testemunhos do nosso lendário desenrascanço. Os visitantes maravilham-se com isto e os anglófonos perdem todo o incentivo para aprender outras línguas: não precisam.
Já a nós, ninguém nos percebe no estrangeiro nem tem vontade ou faz o mínimo esforço por perceber. Podem fazer a experiência, sentem-se numa esplanada em França ou na Alemanha e peçam “uma água sem gás, se faz favor”, ou outra coisa qualquer. Com sorte, olham-vos com um olhar em branco e dizem que não perceberam, se tiverem azar podem ouvir coisas piores, mas a menos que o empregado de mesa seja português ou que apontem para o que querem, não vos servem nada se não o souberem pedir na língua deles…ou em inglês.
Aqui, felizmente, é diferente, e não há guia, fórum, plataforma de recomendação ou comentário de turista que não reflicta isso: “aqui não é preciso saber a língua, toda a gente fala inglês e muitos falam francês”. Não é preciso nenhum programa do governo para melhorar o nosso nível de inglês nem tentar fazer o que as escolas mal fizeram em 40 anos, a cultura global faz-se em Inglês e as crianças todas aprendem cada vez mais e melhor inglês, assegurando que a comunicação com os estrangeiros vai continuar sem ser um problema para os portugueses.
Dito isto, e dando o valor que é merecido, não podemos, digo eu, correr o risco de nos rendermos por completo, de abandonar o nosso carácter e cultura traduzindo tudo, desde o passeio ao pôr do sol à corrida de corta mato, agora “sunset” e “trail run”. Não devemos desistir de trabalhar nas palavras dando nomes em inglês a tudo, não devíamos relegar para segundo plano os portugueses como a senhora que queria marcar férias num estabelecimento no seu país e que só o podia fazer em inglês ou o português que entra num restaurante em Portugal e não se consegue fazer entender na sua língua.
Cosmopolitismo não significa toda a gente comunicar em inglês, significa, como eu o entendo, haver gente de toda a proveniência que se entende entre si e consegue fazer coisas em conjunto, com influências de todo o lado. Se o sítio onde se está tem a sua língua, ancestral, rica e largamente suficiente para exprimir e descrever tudo o que é preciso, usa-se essa. Não temos que ir a correr “atrás do Americano” como o Carlos da Maia e o João da Ega no fim D’Os Maias, cena que ficou como simbolismo desta particular atitude portuguesa: tudo o que vem de fora é bom e temos que nos dobrar para perceber e nos dar a perceber aos outros.
Vou continuar a chatear os meus amigos e conhecidos estrangeiros insistindo em falar com eles em Português a maior parte do tempo e até a comunicação ser impossível, encorajando-os a errar, a não ter vergonha de falar mal porque mesmo falando pouco e mal estão a progredir, a mostrar que se interessam, que se esforçam, que respeitam e querem verdadeiramente entender, comunicar, e fazer parte. Obviamente há os que não querem fazer parte de nada além do seu círculo de amigos, claro que respeito isso. Aprender uma língua dá trabalho, não é simples para todos, como já vimos nem sequer é necessário e felizmente não é obrigatório. Não pretendam é depois dizer que percebem, que conhecem e que fazem parte.
Jorge Ventura, Nascido em Leiria em 1973, quase se licenciou em Ciências Sociais mas abandonou no último ano para prosseguir uma carreira de skipper de iates, profissão que exerceu entre 1999 e 2018 tendo navegado o equivalente a 12 vezes a circunferência da Terra e passado por mais de 60 países. Aportou de emergência nas Lajes das Flores em 2005 e foi amor à primeira vista. Vive nas Lajes desde 2011 e é actualmente presidente do Clube Naval de Lajes das Flores.
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