A Mãozinha

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Na segunda vez que vim à ilha das Flores, um mês após a primeira, aluguei um automóvel, coisa muito mais fácil nessa altura do que agora. Pouco tempo depois de ter começado a conduzir cruzei-me com uma pessoa que tinha conhecido da primeira vez e que me levantou a mão em saudação.

– Olha, pensei, lembra-se de mim, que engraçado.

Três quilómetros mais à frente, outra vez, mais uma saudação que eu retribuí, desta vez uma pessoa que eu nunca tinha visto. Estrada fora, comecei a achar curioso o número de pessoas que me levantava a mão, era impossível que me conhecessem todos, só podia ser uma cortesia que se estendia a toda a gente. Lembrava-me os meus tempos de motociclista, em que fazíamos sempre uma saudação a outros motociclistas com quem nos cruzássemos na estrada, hábito que não sei se hoje perdura.

Passados uns dias percebi que era mesmo uma característica simpática do trânsito, só possível porque é tão escasso: num sítio com muito movimento não podíamos levantar a mão a todos os carros que passam. Foi das primeiras coisas que o meu pai me perguntou agora que veio viver comigo:

-Mas tu conheces toda a gente?

Não, mas conheço bastante, e tal como damos os bons dias na rua a alguém que podemos só conhecer de vista ou nem isso, a conduzir é a mesma coisa.

Não é automático, não é obrigatório, não é geral. Às vezes vamos a pensar noutra coisa ou a olhar para outro sítio. Às vezes não conhecemos mesmo a pessoa de lado nenhum, ou podemos não gostar dela, acontece a todos. Às vezes esperamos para retribuir, outras vezes é o outro condutor que retribui, outras vezes é ao mesmo tempo. Por vezes nota-se uma hesitação, um dedo que vai para subir mas se retrai ou um olhar que se desvia a tempo. Algumas pessoas são distraídas e nem reparam com quem se cruzam (o meu pai, por exemplo, que uma vez há muitos anos passou por mim a pedir boleia à beira da estrada e não parou), ou vão 100% concentradas na condução, o que não é uma coisa má.

 É uma interacção social que pode ter vários significados, há pouco tempo em conversa diziam-me que “fulano dantes levantava-me sempre a mão, no outro dia levantou só um dedo, vi logo que havia alguma coisa”. Eu posso dar um grande aceno a um amigo, levantar a mão ou só mesmo o tal dedo, ou não fazer nada, dependendo nem tanto da pessoa com quem me cruzo ou de como é a minha relação com ela mas da disposição que levo nesse dia, há dias em que quero acenar a toda a gente, há dias em que é melhor que nem olhem para mim.

É bom não tentarmos ler muito ou tirar grandes conclusões dos acenos que fazemos ou não fazemos uns aos outros pela estrada. É melhor ir só mantendo esta espécie de tradição que é sinal de uma comunidade mais ligada, um sinal de cortesia, sinal de que reconhecemos o próximo, coisas em vias de extinção ou mesmo extintas em meios urbanos ou meios rurais de maior circulação. Não custa nada e torna o trânsito mais agradável, até podemos acenar aos turistas de vez em quando, uma vez é suficiente para eles voltarem para casa a dizer “na ilha das Flores toda a gente me cumprimentava na estrada!”

Perfil do Autor

Jorge Ventura, Nascido em Leiria em 1973, quase se licenciou em Ciências Sociais mas abandonou no último ano para prosseguir uma carreira de skipper de iates, profissão que exerceu entre 1999 e 2018 tendo navegado o equivalente a 12 vezes a circunferência da Terra e passado por mais de 60 países. Aportou de emergência nas Lajes das Flores em 2005 e foi amor à primeira vista. Vive nas Lajes desde 2011 e é actualmente presidente do Clube Naval de Lajes das Flores.

Jorge Ventura

Jorge Ventura, Nascido em Leiria em 1973, quase se licenciou em Ciências Sociais mas abandonou no último ano para prosseguir uma carreira de skipper de iates, profissão que exerceu entre 1999 e 2018 tendo navegado o equivalente a 12 vezes a circunferência da Terra e passado por mais de 60 países. Aportou de emergência nas Lajes das Flores em 2005 e foi amor à primeira vista. Vive nas Lajes desde 2011 e é actualmente presidente do Clube Naval de Lajes das Flores.

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