Quem são os florentinos?

Isto é o título

Está a nascer uma página à qual foi dado o nome genérico de Os florentinos.

Gostei da ideia. A ilha perdeu as suas publicações em papel e parece-me excelente que, utilizando os meios de comunicação mais modernos que temos ao nosso alcance, haja uma possibilidade de colocar online trabalhos de opinião que circulem por esse mundo imenso que é a internet que nos permite chegar a todo o lado e levar a mensagem a todo o tipo de leitores.

Só gosto de trabalhar com fio condutor porque isso me responsabiliza e, de certa forma, me “obriga” a uma assiduidade que é fundamental neste tipo de trabalho. Vou, portanto, aproveitar a oportunidade que me foi dada pelo Fábio, e que agradeço, para criar uma secção em que vou fundamentalmente dedicar-me a falar de coisas e pessoas que tornam a ilha maior.

Mas primeiro, preciso que o leitor perceba qual é o meu conceito de florentino. Eu sou florentina porque nasci na Fazenda das Lajes e sempre tive esta localidade como residência oficial. Mas isso não chega. Porque nascemos muitas vezes, porque há fronteiras dentro da geografia da nossa alma e porque um cidadão não é apenas de um lugar. Modernamente gostamos de ser chamados de cidadãos do mundo para nos sentirmos donos de um imenso espaço universal de fronteiras desconhecidas. Também não chega.

A cidadania vai mais além e tem a ver também com o chão que fizemos nosso, com o lugar onde temos uma morada afetiva. Independentemente de vivermos ou não nesse lugar. Isso leva-nos a conceitos de residente e não residente, emigrante ou imigrante.

A ilha das Flores tem milhares de emigrantes espalhados pelo mundo. Alguns nasceram cá, outros pertencem a segundas e terceiras gerações de pessoas nascidas noutros destinos. Muitos, muitos mesmo, vêm à ilha procurar ascendentes desconhecidos e “sentem” o apelo insular como uma coisa que está na massa do sangue quando descobrem que tiveram aqui trisavós ou simplesmente primos afastados já falecidos.  Parece haver assim, uma espécie de identidade interior que nos coloca frente a frente com um sentimento de nostalgia insular numa ilha onde nem vivemos.

O fenómeno inverso é também verdadeiro. A ilha está cheia de imigrantes. São cidadãos do mundo, muitos deles europeus conhecedores de realidades bem diversas, apostados em viver em paz que encontram na ilha uma matriz afetiva suficientemente forte para fazerem dela sua morada temporária ou permanente.

O tempo de termos o mesmo emprego do nascimento à morte, de só podermos estudar embarcando para longe, terminou. O trabalho está hoje no lugar onde temos internet e o nosso computador pessoal. E muitos são aqueles que não seria capazes de suportar um emprego das nove às cinco, carregado de rotinas, sem alguma excitação que faça do trabalho um momento de prazer. Longe, fica assim, o tempo da rotina em que nos pagavam pouco para vivermos uma vida sem história que acabava reduzida ao gastar o que se ganhava no supermercado e nos impostos.

Penso que é para todos estes que vamos falar. Para os que nasceram entre Ponta Delgada e a Ponta da Fajã, para que os que vivem em Stoughton, Fall River ou Strathroy, nos Açores ou no continente, na Europa ou em África, mas que têm nas veias a força do sangue de baleia arpoada e no coração o mapa desta ilha. Nos que deixaram os lugares onde viviam e os trocaram por esta e a esta querem dar o melhor de si como muitos que conheço que respeitam a natureza, partilham o que sabem, querem aprender com todos e enriquecem a sociedade em que vivemos porque nos acrescentam em muitas áreas.

Florentinos. Os florentinos que parecem poucos e afinal são muitos, florentinos que pensamos conhecer muito bem, mas de quem nada sabemos, às vezes. É destes e para estes que vão sair crónicas de muitos a alargar o perímetro afetivo entre todos.

Perfil do Autor

Eu não gosto de biografias porque eu sempre achei que por detrás de um herói de guerra pode estar apenas alguém que não tinha nada a perder.

Eu nasci em 1953 numa pequena ilha que ninguém conhecia. Era uma menina muito magra e nada bonita, mas era muito sonhadora e um pouco louca. Fazia perguntas embaraçosas, gostava de coisas diferentes, queria ser muitas coisas, gostava de escrever textos grandes, muitas vezes sem pés nem cabeça. Era inteligente, mas preguiçosa. Nunca fui aluna de quadro de honra nem me distingui senão em português e francês que eram, e ainda são, as minhas paixões. Mas tinha sonhos e queria sempre saber mais coisas, muitas coisas, não necessariamente para ir muito fundo nas questões, mas para saber muitas coisas. Sempre à procura do infinito que nunca encontrei.

Acabei por ter a profissão mais comum da época: professora primária num tempo em que precisei de um atestado de bom comportamento moral e civil do Presidente da junta de Freguesia da Fazenda e fiz a minha jura anti-comunista na direção escolar da Horta, com a mão direita em cima de uma velha Bíblia farta de ouvir mentiras. Sempre trabalhei nas Flores, em pequenas freguesias rurais com crianças simples de vidas humildes, com poucas referências que fossem para além da rocha alta cujas cascatas fazem hoje as delícias dos turistas. E foi numa dessas localidades, que no dia 25 de abril de 1974, trabalhei todo o dia sem saber que em Lisboa a aurora da liberdade tinha mudado Portugal com cravos vermelhos e a Grândola Vila Morena, canção que até então desconhecia.

E de muitas voltas e revoluções se fez a minha vida. Dirigente sindical, deputada pelo partido social democrata, aprendiz de mil coisas, reikiana, aprendi tudo o que pude nas áreas mais estranhas: desenvolvimento pessoal com os maiores gurus do país, coaching, numerologia, astrologia, meditação vipassana, etc etc. Sempre à procura da mulher que gostava de ter sido com uma autenticidade dolorosa que me valeu infindáveis desgostos, com as emoções sempre na garganta até ficar sem pio, horas a fio no divã do psicanalista e noutros estranhos mundos de leitura da aura ou da hipnoterapia.

Resolvidos os conflitos com a família que é a base de todas as nossas desavenças interiores e depois de escrever algumas coisinhas que não lograram lugar de destaque em nenhuma livraria, pacifiquei-me com tudo. Bendita idade que tudo trazes, até esta sensação de alegria apenas por acordar, esta gratidão infinita por cada hora, por cada copo com amigos, por cada momento na companhia de pessoas interessantes e intelectualmente honestas.

Quase no fim desta reta, decidi fazer mestrado em Filosofia para Crianças. Terminei no dia 27 de julho deste ano da graça de 2020, através do zoom, num ano de acontecimentos extraordinários como esta coisa de querer ser mestre numa área tão interessante, mas desafiadora. Quando terminei, estava vazia, decapitada emocionalmente. Fiquei muito tempo sentada no mesmo lugar, olhando o écran de onde tinham saído, professores e colegas e disse para mim mesma:

- E agora Gabriela?

Ainda não sei. Talvez não faça mais nada. Talvez fique aqui, a inspirar o ar puro desta ilha magnifica a tentar passar uma mensagem que só se entende na altura em que já não se precisa.

Depois do teu desafio, pensei que iria colaborar com o teu espaço de florentinos. Um contributo que espero faça sentido para ti e ajude â reflexão conjunta que todos devemos tomar em mãos porque é realmente um assunto nosso. E quando digo “nosso” é porque é dos florentinos.

Gabriela Silva

Eu não gosto de biografias porque eu sempre achei que por detrás de um herói de guerra pode estar apenas alguém que não tinha nada a perder. Eu nasci em 1953 numa pequena ilha que ninguém conhecia. Era uma menina muito magra e nada bonita, mas era muito sonhadora e um pouco louca. Fazia perguntas embaraçosas, gostava de coisas diferentes, queria ser muitas coisas, gostava de escrever textos grandes, muitas vezes sem pés nem cabeça. Era inteligente, mas preguiçosa. Nunca fui aluna de quadro de honra nem me distingui senão em português e francês que eram, e ainda são, as minhas paixões. Mas tinha sonhos e queria sempre saber mais coisas, muitas coisas, não necessariamente para ir muito fundo nas questões, mas para saber muitas coisas. Sempre à procura do infinito que nunca encontrei. Acabei por ter a profissão mais comum da época: professora primária num tempo em que precisei de um atestado de bom comportamento moral e civil do Presidente da junta de Freguesia da Fazenda e fiz a minha jura anti-comunista na direção escolar da Horta, com a mão direita em cima de uma velha Bíblia farta de ouvir mentiras. Sempre trabalhei nas Flores, em pequenas freguesias rurais com crianças simples de vidas humildes, com poucas referências que fossem para além da rocha alta cujas cascatas fazem hoje as delícias dos turistas. E foi numa dessas localidades, que no dia 25 de abril de 1974, trabalhei todo o dia sem saber que em Lisboa a aurora da liberdade tinha mudado Portugal com cravos vermelhos e a Grândola Vila Morena, canção que até então desconhecia. E de muitas voltas e revoluções se fez a minha vida. Dirigente sindical, deputada pelo partido social democrata, aprendiz de mil coisas, reikiana, aprendi tudo o que pude nas áreas mais estranhas: desenvolvimento pessoal com os maiores gurus do país, coaching, numerologia, astrologia, meditação vipassana, etc etc. Sempre à procura da mulher que gostava de ter sido com uma autenticidade dolorosa que me valeu infindáveis desgostos, com as emoções sempre na garganta até ficar sem pio, horas a fio no divã do psicanalista e noutros estranhos mundos de leitura da aura ou da hipnoterapia. Resolvidos os conflitos com a família que é a base de todas as nossas desavenças interiores e depois de escrever algumas coisinhas que não lograram lugar de destaque em nenhuma livraria, pacifiquei-me com tudo. Bendita idade que tudo trazes, até esta sensação de alegria apenas por acordar, esta gratidão infinita por cada hora, por cada copo com amigos, por cada momento na companhia de pessoas interessantes e intelectualmente honestas. Quase no fim desta reta, decidi fazer mestrado em Filosofia para Crianças. Terminei no dia 27 de julho deste ano da graça de 2020, através do zoom, num ano de acontecimentos extraordinários como esta coisa de querer ser mestre numa área tão interessante, mas desafiadora. Quando terminei, estava vazia, decapitada emocionalmente. Fiquei muito tempo sentada no mesmo lugar, olhando o écran de onde tinham saído, professores e colegas e disse para mim mesma: - E agora Gabriela? Ainda não sei. Talvez não faça mais nada. Talvez fique aqui, a inspirar o ar puro desta ilha magnifica a tentar passar uma mensagem que só se entende na altura em que já não se precisa. Depois do teu desafio, pensei que iria colaborar com o teu espaço de florentinos. Um contributo que espero faça sentido para ti e ajude â reflexão conjunta que todos devemos tomar em mãos porque é realmente um assunto nosso. E quando digo “nosso” é porque é dos florentinos.

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