Flores no inverno

Isto é o título

Escrevi este texto na fase pré pandémica. A pensar no inverno das Flores. Continuo a pensar da mesma forma e a achar que, quando tudo isto passar, o inverno será a nossa estação de sonho também. Porque eu acredito no potencial desta ilha e nos excelentes empresários que aqui lutam para oferecer o melhor. E já estou a ver as Villas do Mar com idosos relaxados a beber Lajido à janela e a ver o mar da Fajã Grande que, em dias de mau tempo, oferece um espetáculo único. E as carrinhas Experience OC com o grande Xico ao volante a mostrar cascatas a deitar por fora!!! E a Jangada em cima do palco a dar espetáculos de sonho!

E muito, muito mais…. Porque quando isto acabar, a nossa imaginação até ferve!!!!

 

"E no meio de um inverno, eu finalmente 
aprendi que havia dentro de mim 
um verão invencível."

                                          Albert Camus

 

Quando os dias começam a diminuir nos Açores, já o norte da Europa tirita de frio. Os verões açorianos começam cada vez mais tarde mas o bom tempo prolonga-se também por muito mais tempo. Até ao verão de S. Martinho, podemos sempre contar com muitos dias de sol que alternam com a chuva e os nevoeiros que fazem parte integrante do nosso clima.

A instabilidade será a tónica dominante do clima açoriano. Mas este parâmetro não pode nem deve, por si só, definir os Açores. Estas ilhas não são ilhas para vender como ilhas de céu azul e praia. Esta componente não é suficientemente duradoura para podermos contar com ela quando se negoceiam pacotes turísticos para as nossas ilhas.

Mas, se é verdade que o clima é instável, não é menos verdade que os Açores gozam do privilégio de poder oferecer férias de sonho em qualquer época do ano porque, se a imprevisibilidade é uma característica ilhoa, não é menos verdade que não se ouve falar aqui de catástrofes atmosféricas que coloquem em risco a vida das pessoas.

A chuva alimenta e fortalece o nosso verde. Sem ela, a exuberância dos nossos vales não existiria. Andar à chuva pode ser uma experiência maravilhosa se a quisermos ver como uma massagem natural ao rosto e ao corpo. Nalgumas ilhas, a chuva confere aos caudais uma beleza impossível de observar no verão. É também a chuva que aumenta as lagoas, que dá de beber às flores e rega toda a vegetação. Água é vida!

Enquanto nalguns países, a neve faz parar a vida das pessoas durante meses, matando toda a vegetação e colocando a zeros toda a energia das estações anteriores, nas ilhas o inverno é um tempo de revitalização da natureza, um tempo de apaziguamento, tão fundamental nas nossas vidas. Fazer trilhos no inverno, bebendo dessa experiência telúrica de sentir a natureza apaixonada por si mesma, é apaixonante.

Todos temos necessidade de retiros de silêncio, de momento de encontro connosco, de pacificação interior. O inverno dos Açores proporciona um encontro único com a metamorfose da terra, com a energia vibrante do vento e com a solidão consentida do mar bravo.

Algumas das mais importantes festividades açorianas acontecem nessas estações mortiças em que temos tempo para estar uns com os outros: a matança do porco tradicional, o fumeiro das linguiças, os jogos de cartas e as histórias contadas ao serão, por quem sabe.

O folclore, as danças tradicionais, a viola da terra e a chamarrita…

O carnaval da Graciosa, os Bailhinhos da Terceira, os bailes do Coliseu, as Carvalhadas de S. Pedro, as passagens de ano aqui e além, o Espírito Santo intemporal, a meditação, o ioga, o reiki ou os retiros de silêncio.

O chá da Gorreana bebido em qualquer ilha com queijadas da Graciosa ou biscoitos de orelha de Santa Maria. Um Lajido do Pico é aperitivo para tomar na companhia de amigos com alguma coisinha da Pérola da Ilha para petiscar pelo meio. Um naco de queijo de S. Jorge ou do Corvo com uma Angelica podem ser também uma opção de bom começo. Queijo de S. Jorge com compotas do Quintal dos Açores, bolos lêvedos com manteiga de alho ou massa sovada com carne assada. Tudo como manda a tradição das nossas ilhas. Para saborear lentamente e sem pressa, sem os apelos inquietantes do mar de calmaria ou de um pôr-do-sol fascinante. Tudo para sentir na intimidade de um encontro sem tempo, aquecido pela conversa amena das longas noites de inverno.

A gastronomia de inverno é mais rica e mais elaborada. Workshops de pão caseiro cozido em forno de lenha para crianças e adultos, seguido de serões de poesia ou jogos tradicionais podem garantir um enriquecimento cultural incrível e podem proporcionar seguramente momentos de convívio que o verão não conhece com a mesma profundidade. Comida caseira cozida em forno de lenha, conversas ao serão, prolongamentos do tempo sem tempo….

A caça ao coelho bravo, o canyoning, o golfe e o futebol de salão são atividades que podem preencher tardes de inverno em todas as ilhas.

Os Açores têm excelentes espaços culturais que não são simpáticos durante o verão, altura em que todos queremos beber do sol até ao cansaço. No inverno, são ideais para encontros de escritores, performances culturais e artísticas, conferências temáticas, apresentações públicas de projetos de interesse para todos. Podem mesmo descobrir-se em cada ilha valores escondidos, pessoas giríssimas que escondem capacidades que podem enriquecer a coletividade quando partilhadas.

Subestimar o interesse do turismo noutras estações, que não o verão, parece um erro grave. Os Açores têm muito para dar em todas as épocas.  

Na natureza tudo é dual. E da dualidade se alimentam sonhos e projetos. Em S. Miguel, já existe um ramo do turismo holístico com créditos firmados. Mas de uma forma geral, em todas as ilhas, este é um turismo que ganha forma e conteúdo. Pode vir a ser uma das vertentes do turismo de inverno nas nossas ilhas onde jorram águas quentes e onde a instabilidade do clima também traz dias de sol em dezembro ou janeiro. O clima é apenas uma pequena parte do problema quando dentro de nós há mais nevoeiro que na natureza. Venham às ilhas de inverno todos os que têm estrelas na fronte e paz no coração.

E os milagres acontecerão em todas as ravinas…

 (um texto antigo, com ideias novas)

Perfil do Autor

Eu não gosto de biografias porque eu sempre achei que por detrás de um herói de guerra pode estar apenas alguém que não tinha nada a perder.

Eu nasci em 1953 numa pequena ilha que ninguém conhecia. Era uma menina muito magra e nada bonita, mas era muito sonhadora e um pouco louca. Fazia perguntas embaraçosas, gostava de coisas diferentes, queria ser muitas coisas, gostava de escrever textos grandes, muitas vezes sem pés nem cabeça. Era inteligente, mas preguiçosa. Nunca fui aluna de quadro de honra nem me distingui senão em português e francês que eram, e ainda são, as minhas paixões. Mas tinha sonhos e queria sempre saber mais coisas, muitas coisas, não necessariamente para ir muito fundo nas questões, mas para saber muitas coisas. Sempre à procura do infinito que nunca encontrei.

Acabei por ter a profissão mais comum da época: professora primária num tempo em que precisei de um atestado de bom comportamento moral e civil do Presidente da junta de Freguesia da Fazenda e fiz a minha jura anti-comunista na direção escolar da Horta, com a mão direita em cima de uma velha Bíblia farta de ouvir mentiras. Sempre trabalhei nas Flores, em pequenas freguesias rurais com crianças simples de vidas humildes, com poucas referências que fossem para além da rocha alta cujas cascatas fazem hoje as delícias dos turistas. E foi numa dessas localidades, que no dia 25 de abril de 1974, trabalhei todo o dia sem saber que em Lisboa a aurora da liberdade tinha mudado Portugal com cravos vermelhos e a Grândola Vila Morena, canção que até então desconhecia.

E de muitas voltas e revoluções se fez a minha vida. Dirigente sindical, deputada pelo partido social democrata, aprendiz de mil coisas, reikiana, aprendi tudo o que pude nas áreas mais estranhas: desenvolvimento pessoal com os maiores gurus do país, coaching, numerologia, astrologia, meditação vipassana, etc etc. Sempre à procura da mulher que gostava de ter sido com uma autenticidade dolorosa que me valeu infindáveis desgostos, com as emoções sempre na garganta até ficar sem pio, horas a fio no divã do psicanalista e noutros estranhos mundos de leitura da aura ou da hipnoterapia.

Resolvidos os conflitos com a família que é a base de todas as nossas desavenças interiores e depois de escrever algumas coisinhas que não lograram lugar de destaque em nenhuma livraria, pacifiquei-me com tudo. Bendita idade que tudo trazes, até esta sensação de alegria apenas por acordar, esta gratidão infinita por cada hora, por cada copo com amigos, por cada momento na companhia de pessoas interessantes e intelectualmente honestas.

Quase no fim desta reta, decidi fazer mestrado em Filosofia para Crianças. Terminei no dia 27 de julho deste ano da graça de 2020, através do zoom, num ano de acontecimentos extraordinários como esta coisa de querer ser mestre numa área tão interessante, mas desafiadora. Quando terminei, estava vazia, decapitada emocionalmente. Fiquei muito tempo sentada no mesmo lugar, olhando o écran de onde tinham saído, professores e colegas e disse para mim mesma:

- E agora Gabriela?

Ainda não sei. Talvez não faça mais nada. Talvez fique aqui, a inspirar o ar puro desta ilha magnifica a tentar passar uma mensagem que só se entende na altura em que já não se precisa.

Depois do teu desafio, pensei que iria colaborar com o teu espaço de florentinos. Um contributo que espero faça sentido para ti e ajude â reflexão conjunta que todos devemos tomar em mãos porque é realmente um assunto nosso. E quando digo “nosso” é porque é dos florentinos.

Gabriela Silva

Eu não gosto de biografias porque eu sempre achei que por detrás de um herói de guerra pode estar apenas alguém que não tinha nada a perder. Eu nasci em 1953 numa pequena ilha que ninguém conhecia. Era uma menina muito magra e nada bonita, mas era muito sonhadora e um pouco louca. Fazia perguntas embaraçosas, gostava de coisas diferentes, queria ser muitas coisas, gostava de escrever textos grandes, muitas vezes sem pés nem cabeça. Era inteligente, mas preguiçosa. Nunca fui aluna de quadro de honra nem me distingui senão em português e francês que eram, e ainda são, as minhas paixões. Mas tinha sonhos e queria sempre saber mais coisas, muitas coisas, não necessariamente para ir muito fundo nas questões, mas para saber muitas coisas. Sempre à procura do infinito que nunca encontrei. Acabei por ter a profissão mais comum da época: professora primária num tempo em que precisei de um atestado de bom comportamento moral e civil do Presidente da junta de Freguesia da Fazenda e fiz a minha jura anti-comunista na direção escolar da Horta, com a mão direita em cima de uma velha Bíblia farta de ouvir mentiras. Sempre trabalhei nas Flores, em pequenas freguesias rurais com crianças simples de vidas humildes, com poucas referências que fossem para além da rocha alta cujas cascatas fazem hoje as delícias dos turistas. E foi numa dessas localidades, que no dia 25 de abril de 1974, trabalhei todo o dia sem saber que em Lisboa a aurora da liberdade tinha mudado Portugal com cravos vermelhos e a Grândola Vila Morena, canção que até então desconhecia. E de muitas voltas e revoluções se fez a minha vida. Dirigente sindical, deputada pelo partido social democrata, aprendiz de mil coisas, reikiana, aprendi tudo o que pude nas áreas mais estranhas: desenvolvimento pessoal com os maiores gurus do país, coaching, numerologia, astrologia, meditação vipassana, etc etc. Sempre à procura da mulher que gostava de ter sido com uma autenticidade dolorosa que me valeu infindáveis desgostos, com as emoções sempre na garganta até ficar sem pio, horas a fio no divã do psicanalista e noutros estranhos mundos de leitura da aura ou da hipnoterapia. Resolvidos os conflitos com a família que é a base de todas as nossas desavenças interiores e depois de escrever algumas coisinhas que não lograram lugar de destaque em nenhuma livraria, pacifiquei-me com tudo. Bendita idade que tudo trazes, até esta sensação de alegria apenas por acordar, esta gratidão infinita por cada hora, por cada copo com amigos, por cada momento na companhia de pessoas interessantes e intelectualmente honestas. Quase no fim desta reta, decidi fazer mestrado em Filosofia para Crianças. Terminei no dia 27 de julho deste ano da graça de 2020, através do zoom, num ano de acontecimentos extraordinários como esta coisa de querer ser mestre numa área tão interessante, mas desafiadora. Quando terminei, estava vazia, decapitada emocionalmente. Fiquei muito tempo sentada no mesmo lugar, olhando o écran de onde tinham saído, professores e colegas e disse para mim mesma: - E agora Gabriela? Ainda não sei. Talvez não faça mais nada. Talvez fique aqui, a inspirar o ar puro desta ilha magnifica a tentar passar uma mensagem que só se entende na altura em que já não se precisa. Depois do teu desafio, pensei que iria colaborar com o teu espaço de florentinos. Um contributo que espero faça sentido para ti e ajude â reflexão conjunta que todos devemos tomar em mãos porque é realmente um assunto nosso. E quando digo “nosso” é porque é dos florentinos.

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