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Estava-se no século dezasseis e frequentemente passavam caravelas ao largo das Flores, rumo às Américas ou vindo daí, carregadas de riqueza. Eram por vezes assoladas por tempestades das quais quase ninguém nem nada se salvava.
De uma dessas tragédias salvou-se e arribou, um certo dia às Flores, um náufrago. Vinha todo molhado, cheio de fome e frio e foi ter a um lugar bastante acidentado e ventoso, do lado nordeste da ilha, onde as pessoas lhe deram comida, roupa e amizade. Esse homem, chamado Demétrio, começou a gostar da vida no pequeno lugarejo, casou e ali se estabeleceu para sempre.
Como homem bom que era, tornou-se muito querido das gentes do lugar. Mas, apesar de ser cristão, tinha ideias que alguns consideravam heréticas. Dizia que as orações pelos defuntos não tinham qualquer valor e negava a existência do Purgatório e do Inferno. Acreditava que a alma residia no sangue e que, no momento da morte, se separa do corpo sob a forma de ave a qual pousava numa planta próxima, até que o corpo fosse queimado ou comido pela terra. Cria ainda que essa ave era a encarnação de Morana, a deusa da morte, e que essa ave cantava enquanto o homem morria, facilitando a entrada do moribundo no sono eterno. Com esta crença viveu Demétrio, nela educou os filhos e, embora os vizinhos não acreditassem no mesmo, não deixou de viver em sã convivência com eles, sendo muito estimado e considerado.
Passaram os anos e um dia, Demétrio, já idoso, adoeceu e, depois de passar algum tempo de cama, morreu. Nesse mesmo momento uma “lambandeira” levantou voo e foi pousar sobre a faia mais próxima, mas não se ouviu o canto facilitador da entrada da alma no Paraíso. Demétrio foi sepultado no cimo da montanha.
A mulher, que tinha sido influenciada na sua fé pelo marido, apercebeu-se do sucedido e ficou perturbada por a ave não ter cantado, mas nada disse.
Passado algum tempo, começou a aparecer sobre a colina uma caveira com uma luz interior. A gente, que morava ali, sentia-se aterrada com a visão e soube-se então que era a caveira de Demétrio, cuja alma vinha pedir orações para ser recebida no Purgatório.
Alguém se encarregou de mandar rezar missas e de oferecer terços por intercessão do bom, mas herético Demétrio e, passado pouco tempo, a mansa “lambandeira” cantou sobre a faia e a caveira desapareceu.
No alto e pedregoso lugar, a família e os vizinhos construíram um nicho dentro do qual fizeram um painel representando a caveira.
O nome ficou na mente das pessoas e persistiu o topónimo que ainda hoje é o nome da simpática freguesia da Caveira.
*”lambandeira” – ave pequena , de peito amarelo também conhecida por lavandeira ou arvelinha.
Texto cedido por António Maria Gonçalves
Fotografia do site do Município de Santa Cruz das Flores
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