Viver cá ou viver lá

Isto é o título

Tudo começou pela ortografia. Há uma maneira florentina de dizer as coisas feita de entoações, mas também de distorções do uso dos verbos, de uma livre elasticidade da sintaxe, que passa pelo incontornável «vamos a ir» a qualquer lado, ou outras expressões de que falta ainda fazer o inventário útil e rigoroso.

«Gentes das Flores» tem o mesmo erro de ortografia com a mesma carga emocional dessas expressões de uso quotidiano que, por fazerem parte da nossa terra, devem ser estimuladas em vez de corrigidas. As Flores, mais do que a terra, são a sua gente, a sua tradição, o seu falar. E ser de qualquer lado não é viver lá ou lá ter nascido, é ter escolhido o lugar com a sua raíz, a sua identidade presente. Ser florentino é conhecer a identidade da ilha, compreendê-la e aceitá-la como sua. 

É por este motivo que, quando me dizem que só cá venho durante uma temporada, gosto de corrigir dizendo que só estou fora durante uns meses. É a velha história da garrafa que está mais ou menos cheia ou vazia, de acordo com a importância que atribuímos ao conteúdo. Na verdade, nada tem uma importância intrínseca, tudo tem a importância que lhe decidimos atribuir.

Independentemente portanto da importância relativa do conteúdo da garrafa, as Flores é a minha terra. Não de agora, mas desde há mais de 25 anos, quando pisei pela primeira vez a areia das nossas praias, com os seus grãos de areia do tamanho de bolas de futebol. Movido pela paixão do mar, empurrado por amigos que tinham mergulhado na ilha anos antes e que a descrevia como o mais belo lugar do mundo, vim não como turista mas como viajante. Descobri uma mar como nunca tinha visto, criei amizades que ficaram para a vida e o acaso e circunstâncias várias fizeram com que as Flores, de lugar de destino, passasse a ser o meu lugar de partida.

Os meus filhos têm sangue florentino e açoriano de muitas gerações. Se, do meu lado, me fiz adoptar e fui adoptado, eles são florentinos de gema, que falam a língua, que participam nas actividades e nas tradições, com o mesmo entusiasmo e o mesmo brilho nos olhos dos que vivem na terra o ano todo.

Quem vê nas Flores apenas um local onde se vive, nada sabe da nossa ilha. Ser florentino implica amar a ilha porque não se tem escolha, porque ela nos entrou no coração, se instalou e não temos como a tirar de lá. Há os que nasceram nas Flores mas que a distância transformou em estrangeiros, os que vivem nas Flores mas que, por dificuldades várias, nunca aceitaram essa identidade. E depois há os outros, os que vivem todo o ano na ilha porque a trazem no coração. Não só o verde das suas terras, o brilho azul do seu mar, mas a sua História e as «suas gentes».

Perfil do Autor

David de Carvalho nasceu em Lisboa em 1960, é casado e tem 4 filhos. Filho e neto de jornalistas, formou-se em Design e Comunicação, foi director de projectos no Departamento de Exposições da Feira Internacional de Lisboa, onde trabalhou entre 1981 e 1992. Durante mais de 30 anos dirigiu a sua própria empresa, assumindo a assinatura de projectos na área do design de comunicação, gráfico e industrial. Integrou a selecção dos melhores designers portugueses no âmbito da Lisboa Capital da Cultura em 1994. Tem vários projectos publicados em revistas da especialidade, em Portugal e no estrangeiro.

Em paralelo com a sua actividade profissional, manteve uma proximidade regular com os desportos náuticos, o mergulho em particular. É Dive Master PADI, organizou e integrou a primeira expedição de identificação do Banco Gorringe, ao largo da costa portuguesa (1997). Colaborou com diversas revistas náuticas e subaquáticas em Portugal, França, EUA e Brasil. Foi chefe de redação da revista Mundo Náutico (1998). Fundou e dirige a marca francesa Absolute Blue (2008). É membro do conselho consultivo da Oceanic Safety Systems, dirigida por Terry Maas (2011) e faz parte da organização americana Diving for a Cause (2010). Criou e dirigiu a revista «Apneia Portugal» (2012) e é autor do livro «Dossier Blue Water Hunting» (2012). Fundou e é secretário permanente da European Spearfishing Records Association. Tem residência repartida entre Santa Cruz das Flores e Arcachon, em França.

David de Carvalho

David de Carvalho nasceu em Lisboa em 1960, é casado e tem 4 filhos. Filho e neto de jornalistas, formou-se em Design e Comunicação, foi director de projectos no Departamento de Exposições da Feira Internacional de Lisboa, onde trabalhou entre 1981 e 1992. Durante mais de 30 anos dirigiu a sua própria empresa, assumindo a assinatura de projectos na área do design de comunicação, gráfico e industrial. Integrou a selecção dos melhores designers portugueses no âmbito da Lisboa Capital da Cultura em 1994. Tem vários projectos publicados em revistas da especialidade, em Portugal e no estrangeiro. Em paralelo com a sua actividade profissional, manteve uma proximidade regular com os desportos náuticos, o mergulho em particular. É Dive Master PADI, organizou e integrou a primeira expedição de identificação do Banco Gorringe, ao largo da costa portuguesa (1997). Colaborou com diversas revistas náuticas e subaquáticas em Portugal, França, EUA e Brasil. Foi chefe de redação da revista Mundo Náutico (1998). Fundou e dirige a marca francesa Absolute Blue (2008). É membro do conselho consultivo da Oceanic Safety Systems, dirigida por Terry Maas (2011) e faz parte da organização americana Diving for a Cause (2010). Criou e dirigiu a revista «Apneia Portugal» (2012) e é autor do livro «Dossier Blue Water Hunting» (2012). Fundou e é secretário permanente da European Spearfishing Records Association. Tem residência repartida entre Santa Cruz das Flores e Arcachon, em França.

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