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Em 2018 foi publicado um relatório na prestigiada revista científica Nature acerca da instabilidade da costa ocidental da ilha das Flores. O artigo tem como ponto de partida o dado adquirido entre investigadores de que pequenas ilhas vulcânicas situadas entre placas tectónicas são gravitacionalmente estáveis. Por outras palavras, ilhas com uma altura total inferior a 2500 metros desde o fundo do mar até ao seu topo mais elevado, são consideradas relativamente estáveis em matéria de deslizamentos/desprendimento de terras em larga escala, tecnicamente designado de Large-Scale Mass Wasting (LSMW). Todo o edifício vulcânico da ilha das Flores tem cerca de 2400 metros: 1500 metros desde o fundo do mar até à superfície e 914 metros desde a superfície até ao Morro Alto. Como tal, é classificada como uma pequena ilha vulcânica.
Fig. 1) Ilustração 3D com direcção oeste-este, mostrando o flanco oeste do edifício da ilha das Flores. Com a letra “H” estão identificados os hummocks (elevações) e a letra “c” para cones vulcânicos. A letra “S” identifica fracturas. Cientific Reports: Large-scale mass wasting on small volcanic islands revealed by the study of Flores Island (Azores). A. Hildenbrand, F. O. Marques & J. Catalão. September 2018. https://www.nature.com
Sem pretender que este artigo se torne exaustivo e cause o desinteresse do leitor, tentarei de forma muito resumida contextualizar a matéria publicada.
As rochas mais antigas datadas nas Flores têm 2.2 milhões de anos e encontram-se na faixa costeira nordeste entre a Ponta Ruiva e Ponta Delgada, e fazem parte do chamado complexo base que consiste numa espécie de “primeira fase de construção da ilha” com origem em vulcanismo submarino. Estas datações fazem das Flores a quarta ilha mais antiga dos Açores, depois de Sta. Maria (8 milhões de anos), S. Miguel (4 milhões de anos) e Terceira (3.5 milhões de anos).
Fig. 2) Mapa com identificação dos complexos base e superior, crateras, fracturas, e localização das amostras datadas. The Volcanotectonic evolution of Flores Island, Azores (Portugal). JMM Azevedo, MR Portugal Ferreira, Journal of volcanology and geothermal research. Maio 2006.
As rochas mais recentes, com 3.000 anos, encontram-se no planalto central (zona das lagoas e caldeiras) resultantes do último estágio da construção vulcânica do chamado complexo superior.
Fig. 3) Ilustração adaptada do corte transversal da ilha das Flores, com identificação dos complexos. The Volcanotectonic evolution of Flores Island, Azores (Portugal). JMM Azevedo, MR Portugal Ferreira, Journal of volcanology and geothermal research. Maio 2006.
A cerca de 50 km a oeste das Flores, encontra-se uma antiga ilha de origem vulcânica (Banco do Cachalote) que foi arrasada pela erosão das ondas, como demonstra a superfície aplanada do seu topo, a 450 metros de profundidade. Datações das rochas basálticas deste monte submarino estimam que esta antiga ilha existia há cerca de 4,8 milhões de anos e que tenha deixado de estar acima do nível do mar há cerca de 1,8 milhões anos devido a um movimento vertical descendente da crosta (subsidence).
Fig. 4) Imagem de geo-referenciação e sonar multi-feixes publicada na Revista de Marinha, edição de junho de 2018.
Mas voltando ao início…
Recentemente foram reconhecidos deslizamentos de terras em larga escala em pequenas ilhas vulcânicas, mas por acção directa de actividade tectónica/terramotos de magnitude média/alta. Não é o caso das Flores, pois o seu edifício vulcânico encontra-se num cenário tectónico estável (placa Norte-Americana), sem sismicidade histórica de relevo, apesar da existência de actividade vulcânica demonstrada através de nascentes termais – o chamado vulcanismo secundário (registos recentes realizadas por Frederico Fournier revelam uma temperatura de 35°C na nascente do Poio Moreno – Ribeira da Cruz e 56°C na nascente da Costa do Lajedo).
Fig. 5) Carta de sismicidade dos Açores 2020 – Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos, Universidade dos Açores.
A análise de dados provenientes da morfologia, datação e levantamento batimétrico realizados pelos investigadores permitiram constatar:
. forte assimetria da morfologia da ilha. Enquanto que o flanco oriental (costa leste) exibe uma inclinação relativamente regular, todo o flanco ocidental (costa oeste) é cortado em declives extremamente íngremes, especialmente entre Ponta Delgada e a Fajãzinha.
. datação dos fluxos de lava na base da costa leste, na Alagoa, é de 1.78 milhões de anos, observando-se a sua estratificação por camadas mais recentes à medida que vai subindo em altura, sinónimo de construção por fluxos provenientes de actividade vulcânica posterior. No entanto, na costa oeste, as datações de amostras colhidas junto do trilho “Escadinhas do Céu” são sistematicamente muito mais recentes (cerca de 600 mil anos) em aparente contradição com as datações na costa leste.
Fig. 6) Corte transversal. Flancos e declives. Estratificação e datação. Imagem adaptada de Cientific Reports: Large-scale mass wasting on small volcanic islands revealed by the study of Flores Island (Azores). A. Hildenbrand, F. O. Marques & J. Catalão. September 2018. https://www.nature.com
. através dos dados batimétricos recolhidos é realizada uma comparação entre o perfil do fundo do mar a leste da ilha com o perfil do fundo a oeste. É observada uma grande assimetria desde a Fajã Grande até uma distância de 50km na direcção Oeste-Noroeste, com a presença de anomalias em centenas de metros mais elevadas (fig. 7) quando comparado com o fundo a leste-sueste a partir de Santa Cruz, quando o espectável seria o contrário, se os depósitos sedimentares e vulcânicos fossem semelhantes em ambos os lados (a crosta oceânica é mais antiga e profunda à medida que nos afastamos para oeste da Crista Médio Atlântica). Estas anomalia dizem respeito a detritos de grandes dimensões, interpretados como volumosos depósitos.
Fig. 7) Composição topográfica com batimetria (EMODnet portal). Perfil do fundo por secção. Cientific Reports: Large-scale mass wasting on small volcanic islands revealed by the study of Flores Island (Azores). A. Hildenbrand, F. O. Marques & J. Catalão. September 2018. https://www.nature.com
Foi igualmente notada uma protuberância subtil na plataforma submarina adjacente à Fajã Grande e Fajãzinha (Fig. 1) que pode reflectir o movimento recente (activo?) para fora (oeste) desta, como se se estivesse a soltar.
Assim, com base na análise da datação das amostras recolhidas, a assimetria morfológica da ilha e as anomalias constatadas através da batimetria, em conjugação com o alinhamento destas com as fracturas identificadas nas encostas da Quebrada Nova/Ponta dos Fanais e da Ponta da Fajã, os autores concluem que todo o flanco oeste do principal vulcão da ilha (superior a 1.3 milhões de anos) está desaparecido. Na origem, não está um processo de deslizamento lento e gradual, mas uma redução efectiva de fricção que por meio de uma falha castastrófica originou o “desprendimento” repentino de material em larga escala.
Fig. 8) Ilustração do limite do flanco oeste do vulcão principal removido por LSMW.
O relatório propõe que a ilha terá tido uma morfologia simétrica ao longo da direcção Este-Oeste, estendendo-se desde o ponto mais alto da ilha para oeste num declive semelhante ao flanco leste. Isto resultaria numa extensão de terra de cerca de 8 km para oeste da Fajã Grande.
Fig. 9) Perfil com a ilustração da extensão do flanco oeste do antigo vulcão. Cientific Reports: Large-scale mass wasting on small volcanic islands revealed by the study of Flores Island (Azores). A. Hildenbrand, F. O. Marques & J. Catalão. September 2018. https://www.nature.com
Existem dois tipos principais de deslizamentos em ilhas vulcânicas: quedas lentas que deslocam gradualmente os flancos das ilhas a taxas de alguns mm/ano a alguns cm/ano; e os deslizamentos ou “desprendimentos” de material em larga escala, e com implicações importantes na geração potenciais de tsunamis. O primeiro mecanismo lento também pode dar origem ao segundo.
São estimados 100km3 de volume total de material removido, sendo que esta quantidade está na mesma ordem de grandeza com o volume removido em ocorrências Large-Scale Mass Wasting nas ilhas Canárias e em Cabo Verde, por exemplo. Obtém esta classificação quando o volume de material removido é superior a 40km3.
Assim, e com base nas evidências encontradas na ilha das Flores, os autores propõem que pequenas ilhas vulcânicas (<2500m) podem ser suficientemente instáveis em termos gravitacionais para experimentar episódios recorrentes de deslizamentos de terras em larga escala (LSMW), desencadeados por mecanismos que não os terramotos de origem tectónica, e representando assim uma fonte potencial e subavaliada de risco, e portanto, de perigo.
Nota: O relatório não faz o cruzamento dos dados com outras áreas das ciências, quando pessoalmente considero que seria deveras interessante analisar se existe alguma relação com as quantidades médias anuais de precipitação registadas na ilha, e o seu hipotético contributo para o agravamento da instabilidade gravitacional dos solos e das encostas.
Relatório científico publicado na revista Nature – Aqui
Nasceu em Santa Cruz das Flores, em 1979. Prossegue os estudos do secundário em S. Miguel onde frequentou, em simultâneo, o Conservatório Regional de Música de Ponta Delgada.
Entre 1998 e 2002 forma-se em Operador Meteorológico na Força Aérea Portuguesa, exercendo funções nas base aéreas de Sintra e Monte Real. Em 2002, integra o Instituto de Meteorologia (actual IPMA), sendo colocado no CMA Flores - aeroporto das Flores. Tira a licenciatura em Ciências Sociais com especialização em Psicologia Social. Entre 2011 e 2013 exerce no CMA Porto - aeroporto Francisco Sá Carneiro. Em simultâneo, frequenta com sucesso os 1º e 2º anos da licenciatura em Direito.
Em fins de 2013 regressa às Flores, exercendo funções no CMA Flores - aeroporto das Flores, como técnico superior na área da Observação em Meteorologia Aeronáutica.
É administrador da página Meteo a Ocidente na rede social Facebook.