Gabriela Silva
Eu não gosto de biografias porque eu sempre achei que por detrás de um herói de guerra pode estar apenas alguém que não tinha nada a perder.
Eu nasci em 1953 numa pequena ilha que ninguém conhecia. Era uma menina muito magra e nada bonita, mas era muito sonhadora e um pouco louca. Fazia perguntas embaraçosas, gostava de coisas diferentes, queria ser muitas coisas, gostava de escrever textos grandes, muitas vezes sem pés nem cabeça. Era inteligente, mas preguiçosa. Nunca fui aluna de quadro de honra nem me distingui senão em português e francês que eram, e ainda são, as minhas paixões. Mas tinha sonhos e queria sempre saber mais coisas, muitas coisas, não necessariamente para ir muito fundo nas questões, mas para saber muitas coisas. Sempre à procura do infinito que nunca encontrei.
Acabei por ter a profissão mais comum da época: professora primária num tempo em que precisei de um atestado de bom comportamento moral e civil do Presidente da junta de Freguesia da Fazenda e fiz a minha jura anti-comunista na direção escolar da Horta, com a mão direita em cima de uma velha Bíblia farta de ouvir mentiras. Sempre trabalhei nas Flores, em pequenas freguesias rurais com crianças simples de vidas humildes, com poucas referências que fossem para além da rocha alta cujas cascatas fazem hoje as delícias dos turistas. E foi numa dessas localidades, que no dia 25 de abril de 1974, trabalhei todo o dia sem saber que em Lisboa a aurora da liberdade tinha mudado Portugal com cravos vermelhos e a Grândola Vila Morena, canção que até então desconhecia.
E de muitas voltas e revoluções se fez a minha vida. Dirigente sindical, deputada pelo partido social democrata, aprendiz de mil coisas, reikiana, aprendi tudo o que pude nas áreas mais estranhas: desenvolvimento pessoal com os maiores gurus do país, coaching, numerologia, astrologia, meditação vipassana, etc etc. Sempre à procura da mulher que gostava de ter sido com uma autenticidade dolorosa que me valeu infindáveis desgostos, com as emoções sempre na garganta até ficar sem pio, horas a fio no divã do psicanalista e noutros estranhos mundos de leitura da aura ou da hipnoterapia.
Resolvidos os conflitos com a família que é a base de todas as nossas desavenças interiores e depois de escrever algumas coisinhas que não lograram lugar de destaque em nenhuma livraria, pacifiquei-me com tudo. Bendita idade que tudo trazes, até esta sensação de alegria apenas por acordar, esta gratidão infinita por cada hora, por cada copo com amigos, por cada momento na companhia de pessoas interessantes e intelectualmente honestas.
Quase no fim desta reta, decidi fazer mestrado em Filosofia para Crianças. Terminei no dia 27 de julho deste ano da graça de 2020, através do zoom, num ano de acontecimentos extraordinários como esta coisa de querer ser mestre numa área tão interessante, mas desafiadora. Quando terminei, estava vazia, decapitada emocionalmente. Fiquei muito tempo sentada no mesmo lugar, olhando o écran de onde tinham saído, professores e colegas e disse para mim mesma:
- E agora Gabriela?
Ainda não sei. Talvez não faça mais nada. Talvez fique aqui, a inspirar o ar puro desta ilha magnifica a tentar passar uma mensagem que só se entende na altura em que já não se precisa.
Depois do teu desafio, pensei que iria colaborar com o teu espaço de florentinos. Um contributo que espero faça sentido para ti e ajude â reflexão conjunta que todos devemos tomar em mãos porque é realmente um assunto nosso. E quando digo “nosso” é porque é dos florentinos.
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